Só metade dos Estados deve alcançar o PIB pré-crise

O Estado de S. Paulo

 

Estudo mostra que apenas 12 Estados e o DF devem fechar 2020 com PIB acima do nível pré-crise. Com despesas de pessoal elevadas e baixa arrecadação, governadores cortam investimentos para fechar as contas.

 

Apenas 12 Estados e o Distrito Federal deverão terminar 2020 com o Produto Interno Bruto (PIB) acima do nível pré-crise. Apesar das expectativas de maior expansão da atividade econômica neste ano, os demais Estados ainda precisarão de mais tempo para recuperar o tamanho de sua economia antes da recessão, em 2013 e 2014, segundo levantamento feito pela Tendências Consultoria Integrada. Nessa lenta recuperação, o PIB brasileiro fechará o ano 1% abaixo do nível pré-crise.

 

O resultado reflete em boa medida a grave situação fiscal dos Estados. Com despesas de pessoal elevadas e arrecadação ainda baixa, alguns governadores cortaram investimentos para fechar a conta no azul – estratégia também observada na esfera federal. Sem investimento de peso, elevado desemprego e alto endividamento das famílias, a saída da crise tem sido mais demorada que em outros períodos.

 

Entre 2014 e 2016, o PIB nacional encolheu 6,7% enquanto que entre 2017 e 2018 a taxa média de crescimento foi de 1,3%, destaca o economista da Tendências, Lucas Assis, responsável pelo trabalho: “O ano de 2019 foi decepcionante do ponto de vista econômico, com a frustração das expectativas de crescimento”.

 

A previsão é de um avanço de 2,1% do PIB nacional neste ano, mas ainda dependendo das notícias vindas do mercado internacional. De acordo com a Tendências, 26 Estados e o DF terão desempenho positivo em 2020. Apenas o Rio Grande do Norte terá queda no PIB.

 

Nesse cenário, Norte, Centro-Oeste e Sul serão as primeiras regiões a superar o PIB pré-crise. Cada uma impulsionada por fatores específicos e locais. De acordo com o levantamento, o Norte deverá ser o destaque do ano, com crescimento de 3,2% do PIB, acima da média nacional. O desempenho será fortalecido pela retomada da Zona Franca de Manaus e pelo avanço da indústria extrativa, em especial do complexo da Vale S11D, no Pará. Também vai contar a favor o avanço da economia de Roraima por causa dos imigrantes venezuelanos, diz Assis. Ele explica que, mesmo que de forma atabalhoada, há um movimento maior da economia, com mais pessoas buscando ocupação e suporte do governo federal.

 

No Centro-Oeste – região que menos sofreu durante a crise econômica –, a expectativa é que a economia avance 2,4%, beneficiada pelo câmbio desvalorizado e pelo avanço da agropecuária. Apenas Goiás, que ainda vive intensa crise fiscal, continuará abaixo do nível pré-crise.

 

O mesmo ocorre no Sul do País. O Estado gaúcho será o único a não superar o patamar de antes da recessão. A atividade econômica da região deve ter avanço igual à média nacional beneficiada pela recuperação da indústria e pela agropecuária, em especial pela soja e carne de frango.

 

Outra ponta. Sudeste e Nordeste ainda estarão longe de superar o nível pré-crise. Na Região mais desenvolvida do País, o PIB continuará 2,9% abaixo do início da recessão. Além do tombo da indústria, o Sudeste sofreu com os efeitos do rompimento da barragem de Brumadinho, que afetou Minas Gerais e Espírito Santo. Mas a previsão é otimista para este ano.

 

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, diz que, depois de muitas providências, a situação começa a melhorar. No segundo semestre, está prevista a retomada das atividades da Samarco, paradas desde o acidente de Mariana, em novembro de 2015. Além disso, ele conta com a retomada econômica do País para aquecer os setores de siderurgia e cimento.

 

O ponto negativo de Minas – cuja economia continuará 3,5% abaixo do nível pré-crise – continua sendo a questão fiscal.

 

Pouco industrializada e altamente dependente de transferências federais, o Nordeste fechará o ano com o pior desempenho do País. O crescimento esperado é de 1,9%. “Um dos fatores que afeta a recuperação é que os Estados têm uma participação grande da administração pública e é pouco industrializado”, afirma Paula Yamaguti, economista do Itaú Unibanco,

 

A participação das transferências governamentais na massa total do Nordeste vem apresentando tendência de crescimento. “Ainda que tenha havido uma pequena redução em 2018, essa participação tem apresentado crescimento médio positivo de 0,4 ponto porcentual ao ano”, diz Assis, da Tendências.

 

A melhora dos serviços públicos é, como já defendi várias vezes neste espaço, a maior e mais relevante motivação para uma reforma administrativa do Estado brasileiro. Sem um profundo redesenho do atual modelo de gestão de pessoas no setor público – o que necessariamente passa pela revisão e consolidação dos atuais planos de carreira –, não conseguiremos melhorar a qualidade dos serviços públicos no Brasil.

 

A consequência perversa dessa situação se reflete no nosso inaceitável nível de desigualdade social. Afinal, com serviços públicos básicos de baixa qualidade alijasse toda uma camada da população de oportunidades de uma vida melhor, reforçando as dificuldades daqueles que, já tendo começado a vida em desvantagem, têm suas chances diminuídas graças à baixa qualidade da educação a que têm acesso, ao atendimento de saúde precário e uma segurança pública que, ao não proteger, dá espaço para o crime que coopta e mata.

 

Não fosse essa uma razão suficientemente importante para uma reforma administrativa e para que atuemos na direção de corrigir a máquina de reforço da desigualdade em que se tornou o Estado brasileiro, vale expor aqui uma outra motivação. Esta, ao contrário da primeira que nos exige alguma reflexão e o entendimento das relações que unem os modelos de carreiras aos baixos resultados alcançados no setor público, está escancarada nos nossos números fiscais precários e desequilibrados dos Estados brasileiros.

 

Cabe aos Estados a provisão de boa parte dos serviços básicos públicos. Está com eles a responsabilidade de oferecer educação e o atendimento de saúde básica e garantir a segurança da população por meio da presença de forças policiais militares e civis. Não por coincidência, Estados têm um número de servidores públicos muito superior ao observado em nível federal. Afinal, são essas as atividades mais intensivas em mão de obra, exigindo um contingente de servidores muito maior do que as funções mais burocráticas, predominantes no Executivo federal.

 

Ao longo dos últimos anos, como consequência de uma constante multiplicação do número de leis de carreiras e da incorporação de dispositivos que foram se disseminando nessas leis, criou-se um conjunto de distorções que precisam ser expostas – e corrigidas. A primeira delas diz respeito às progressões e promoções automáticas. Embora vinculadas a um desejo legítimo de garantir que os servidores progridam na carreira protegidos de eventuais perseguições ou apadrinhamentos, sua desvinculação do mérito ou da existência de vacância em cargo superior, criou inúmeros problemas – amplamente agravados pela aceleração nos tempos de progressão. O primeiro deles é o excesso de servidores no topo da carreira, em salários finais. Essa situação, se por um lado reduz a motivação do servidor que já chegou ao topo, por outro gera pressões constantes para que se eleve o teto remuneratório.

 

Mas as promoções e progressões automáticas têm um efeito ainda mais perverso, principalmente nas atividades na ponta, aquelas de contato direto com o consumidor. Elas garantem ao servidor com mais tempo no serviço público prerrogativas que o recém-aprovado em concurso não dispõe. Servir na rua, no caso de policiais; estar em sala de aula com maior número de aulas, no caso de professores; ter menor flexibilidade de carga horária, no caso de médicos; atendimento direto ao público, em caso de algumas funções da administração etc. Ou seja, passado um pequeno espaço de tempo, o servidor passa a servir à burocracia, e não ao cidadão.

 

Esse mecanismo gera uma constante escassez de servidores na ponta e uma contínua necessidade de novos concursos para prover as funções básicas, ao mesmo tempo que incha as atividades meio, predominantemente administrativas. Além disso, garante o crescimento vegetativo das despesas de pessoal, pois, na prática, gera aumentos salariais para um grande contingente de servidores independentemente do mérito, da qualidade do serviço prestado ou da situação fiscal do empregador, a saber, o Estado. Ou seja, promoções e progressões automáticas são sinônimo de baixa motivação, desatendimento ao cidadão na ponta, inchaço das atividades meio e crescimento contínuo das despesas de pessoal.

 

Sem prejuízo da segunda motivação para uma reforma administrativa profunda – ainda a ser explorada neste espaço -, a terceira se assenta na necessidade de interrompermos o crescimento vegetativo dos gastos de pessoal. Do contrário, continuaremos contratando o colapso fiscal dos Estados, contribuindo para a contínua deterioração dos serviços públicos e, consequentemente, para a manutenção da vergonhosa desigualdade social brasileira.

 

A baixa qualidade dos serviços públicos se reflete no inaceitável nível de desigualdade social. (O Estado de S. Paulo/Renée Pereira, economista e sócia da consultoria Oliver Wyman. O artigo reflete exclusivamente a opinião da colunista)