Para Guedes, deflação em setembro pode levar à queda de juros

O Estado de S. Paulo

 

O IPCA registrou deflação de 0,04% em setembro, o menor resultado para o mês em 21 anos. O índice surpreendeu analistas do mercado financeiro, que apontam a expectativa de inflação abaixo da meta em 2019 e queda da taxa Selic, atualmente em 5,50%. A maior oferta de alimentos e promoções de eletrodomésticos no comércio varejista contribuíram para derrubar o IPCA. A taxa acumulada em 12 meses caiu para 2,89%. Em evento em São Paulo, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que viu a deflação de forma positiva: “O que está acontecendo é que a economia está começando a crescer com inflação baixa”. Para o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor, do Ibre/FGV, a inflação na casa dos 3% ao ano reflete a economia operando em ritmo lento e com alto nível de desemprego, um cenário que não permite nem o repasse da alta do dólar para os preços.

 

“Inflação baixa mostra que o Brasil tem condições de baixar juros”, Paulo Guedes, Ministro da Economia.

 

Com queda nos preços de alimentos, o IPCA, inflação oficial do País, ficou negativo em 0,04%, o menor resultado para o mês desde 1998; o desempenho do índice surpreendeu analistas e deflagrou onda de revisão nas projeções de inflação e da Selic para o ano

 

Para o economista, desemprego na faixa de 11%, aliado à previsão de alta de 0,8% do PIB, veta aumentos

 

A deflação de setembro é pontual e não indica um enfraquecimento mais grave da economia brasileira, segundo o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). “Não há expectativa de novas quedas, mas de que a inflação continue baixa.” Segundo ele, a inflação na casa dos 3% reflete a economia lenta e com alto nível de desemprego, um cenário que não permite nem o repasse da alta do dólar. “O repasse fica limitado pela questão da demanda (baixa), desemprego alto não possibilita repasses instantâneos.” A seguir, trechos da entrevista.

 

A deflação é pontual ou há uma tendência?

É pontual. Os números estão baixos, mas, estatisticamente, nem negativo foi (em setembro). Se a gente considerar esse número (0,04%) com uma casa decimal, seria zero. É um número muito baixo influenciado por alimentos in natura. A deflação está concentrada em produtos cuja oferta é forte. Produtos que não toleram estoque e que, se a quantidade (ofertada) é maior do que a demandada, há uma queda no preço. O perigo da deflação é quando há um processo persistente e generalizado em vários outros produtos importantes, como serviços médicos, bens duráveis e alimentos industrializados. Aí é um processo revelando uma economia muito mais enfraquecida. Agora, não há expectativa de novas quedas, mas de que a inflação continue baixa. Há mecanismos em curso para fazer com que a economia se aqueça. O Banco Central tem reduzido a Selic (a taxa básica de juros) gradualmente. Tem movimentos na economia que podem fazer com que ela se recupere mais rapidamente, mas é um cenário mais para 2020. Uma parte dessa inflação baixa também está relacionada ao nível de desemprego. Quando a economia está crescendo pouco – a previsão de PIB para este ano é 0,8% –, com um nível de desemprego de 11%, não há chance de alta de preço de outros produtos, como bens duráveis.

 

Já tivemos casos de deflação no ano passado. Esses episódios não costumavam se repetir… Tivemos deflação em agosto do ano passado, de 0,09%, e em novembro, de 0,21%. Também foram pontuais. Às vezes, a deflação acontece, por exemplo, quando se muda a bandeira vermelha na energia para verde. Como a queda no preço é nacional e em cima de uma despesa importante no orçamento, acaba levando a inflação para um patamar negativo, mas é um efeito transitório, não generalizado. No caso de agora, a causa é uma queda no preço de alimentos in natura. Eles subiram muito no primeiro semestre, com problemas de oferta. Como os últimos meses têm sido de clima mais favorável à oferta desses alimentos, isso tem permitido quedas nos preços. Como já estamos na primavera, o desafio climático é maior para esses produtos, que passarão de mocinhos para bandidos rapidamente.

 

O dólar tem se desvalorizado e, mesmo assim, temos deflação. O que acontece que os preços não estão sob pressão?

O repasse é gradual. Essa desvalorização aconteceu há pouco tempo. Ela chega primeiro ao consumidor encarecendo derivados de grandes commodities agrícolas, como milho, soja e trigo. O trigo contamina toda a família de pães. A soja é basicamente ração animal, então frango e suíno costumam subir de preço. Assim, quanto mais tempo a taxa de câmbio continuar nesse patamar, maior a probabilidade de contaminar alguns preços. Sem contar a gasolina. A Petrobrás também movimenta o preço da gasolina tanto pela variação cambial como pelo preço do petróleo. Mas existem outras questões que diminuem a possibilidade de repasse cambial. Você pode ter uma desvalorização cambial afetando commodities, mas, por outro lado, safras boas favorecendo a queda do preço desses grãos em Bolsas internacionais.

 

Mas esse é o caso agora?

É o caso para milho e trigo, mas não para a soja, que teve um probleminha de expectativa de safra ruim nos Estados Unidos. Essa questão cambial fica também limitada pela questão da demanda, desemprego alto não possibilita repasses instantâneos. Tudo é mais lento. Mas, se a taxa de câmbio continuar nesse patamar por muito tempo, com certeza vai haver algum repasse.

 

A deflação é pontual, mas, mesmo assim, a inflação está abaixo da meta de 4,25% para 2019. O Banco Central demorou para reduzir a taxa de juros?

Não. Mexeu na hora certa. A inflação não está abaixo do intervalo da meta (2,75% a 5,75%). Ela vai se recuperar a partir de novembro e a taxa de 12 meses vai avançar. Devemos encerrar o ano com uma inflação de 3,3%. Uma inflação baixa, sim, que reflete o PIB de 0,8% aguardado para o ano e uma economia com desemprego ainda elevado. O ideal é que estivéssemos terminando o ano com a inflação mais na meta, o que provavelmente indicaria um nível de desemprego menor e um PIB maior. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)