Nobel de Química 2019 vai para desenvolvimento de baterias usadas em celulares

O Estado de S. Paulo

 

Os pesquisadores John Goodenough, da Universidade do Texas, M. Stanley Whittingham, da Universidade de Binghamton, ambas nos Estados Unidos, e Akira Yoshino, da Universidade Meijo, no Japão, foram laureados nesta quarta-feira, 8, com o Prêmio Nobel de Química 2019 pelo desenvolvimento de baterias de lítio. O trio criou um “mundo recarregável”, nas palavras do comitê do Prêmio Nobel.

 

Nascido em 1922 na cidade de Jena, na Alemanha, Goodenough se tornou aos 97 anos a pessoa mais velha a ser premiada com um Nobel na história.

 

Esta bateria leve, recarregável e poderosa, é hoje usada em praticamente todos os tipos de dispositivos, desde telefones celulares a laptops e carros elétricos. Elas também são capazes de armazenar quantidades significativas de energia solar e eólica, por exemplo, abrindo o caminho para uma sociedade livre dos combustíveis fósseis, pontua o comitê do Nobel.

 

Essa história tem início nos anos 1970. A crise dos preços e a noção de que o petróleo é um recurso finito fizeram uma das gigantes do setor, a Exxon, começar a buscar uma diversificação de suas atividades e contratar pesquisadores que trabalhassem no campo de energia, desde que não envolvesse petróleo. A ideia era ter alternativas que não dependessem tanto de combustíveis fósseis.

 

Entenda as pesquisas premiadas com o Nobel de Química

 

Um dos cientistas a entrar na empresa foi Whittingham, em 1972. Pesquisando supercondutores, ele descobriu um material extremamente rico em energia, que usou para criar um inovador cátodo (o lado positivo da bateria), a partir de dissulfeto de titânio.

 

Em nível molecular, esse material tem camadas que podem abrigar e intercalar íons de lítio. Dentro do esquema padrão de pilhas, o metal de lítio ficava do lado negativo (ânodo), enviando os elétrons para o eletrodo positivo.

 

Foi os primórdios da bateria de lítio, que já tinha um grande potencial, de pouco mais de dois volts. Para comparação, muitas das pilhas alcalinas que usamos hoje tem 1,5 V. O problema é que o lítio metálico é reativo, o que tornava a bateria muito explosiva e também porque logo começava a ocorrer uma perda de voltagem. Os cientistas tiverem de aprender a domar essa reatividade do lítio. Outro desafio era como manter a voltagem ou mesmo aumentá-la.

 

John Goodenough imaginou que o cátodo teria um potencial ainda maior se fosse fabricado com óxido de metal em vez de sulfeto de metal. Em 1980, ele demonstrou que o óxido de cobalto com íons de lítio intercalados poderia produzir até quatro volts, o que era considerado um valor enorme para uma bateria.

 

Trio ganha Nobel de química

 

Este modelo, no entanto, ainda usava o metal de lítio, o que continuava deixando-o instável. Foi quando Yoshino entrou em ação. Ele usou esse cátodo para criar a primeira bateria comercialmente viável de íons de lítio, em 1985. Sua sacada foi usar, em vez de lítio reativo no ânodo, coque de petróleo (pedregulhos do combustível). O material de carbono, como o óxido de cobalto do cátodo, também pode intercalar íons de lítio.

 

Isso junto com o material usado por Goodenough poderia manter a voltagem sempre elevada. Essa é a configuração que temos até hoje nas baterias modernas de lítio, com os íons indo de um lado para o outro e liberando os elétrons. Ao ser colocada numa tomada, reverte-se o processo. A direção dos elétrons se inverte e a bateria é recarregada.

 

O resultado, explica o comitê do Nobel, foi uma bateria leve e resistente que poderia ser carregada centenas de vezes antes de seu desempenho reduzir. A vantagem das baterias de íon de lítio é que elas não funcionam a partir de reações químicas, mas em íons de lítio que fluem para frente e para trás entre o ânodo e o cátodo.

 

Revolução

 

Foi uma revolução. Essas baterias entraram no mercado em 1991, lançando as bases para uma sociedade sem fio e um caminho para um futuro sem combustíveis fósseis.

 

Estas descobertas levaram ao desenvolvimento de um produto fantástico, com aplicações em muitas instâncias, desde telefones que quase todos nós usamos diariamente, a veículos, como carros e bicicletas elétricas. E vem crescendo o seu uso como complemento para fontes de energia que flutuam ao longo do tempo, como as energias solar e eólica

 

Olof Ramström, membro do comitê do Nobel

 

“Esta bateria teve um impacto dramático na nossa sociedade. É muito claro que as descobertas dos nossos três laureados tornou isso possível, beneficiando a humanidade”, disse Ramström.

 

Yoshino participou ao vivo da coletiva de imprensa que anunciou os vencedores. Por telefone, a partir do laboratório da empresa Asahi Kasei, onde é pesquisador, ele comentou como teve a ideia inovadora. “Eu meio que senti a direção para qual as tendências estavam se movendo. Você poderia dizer que eu tinha um bom senso de olfato”, brincou.

 

Ele também disse ter ficado feliz que sua descoberta possa ajudar o meio ambiente e que tenha sido contemplada pelo Nobel em um contexto de agravamento das mudanças climáticas causadas pelo excesso de uso de combustíveis fósseis. “Espero que isso encoraje jovens cientistas.”

 

O trio vai dividir igualmente o prêmio de 9 milhões de coroas suecas, cerca de R$ 3,7 milhões. Entre 1901 e 2018, 110 prêmios Nobel de Química foram concedidos. Em 63 ocasiões, apenas um pesquisador foi premiado. Neste período, somente cinco mulheres receberam a láurea. / Com agências internacionais

 

Quem são os pesquisadores laureados com o Nobel de Química 2019

 

– John B. Goodenough, de 97 anos, nasceu em Jena, na Alemanha, de pais americanos. É professor da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.

– M. Stanley Whittingham, de 77 anos, tem cidadania britânica e americana. É professor da Universidade Binghamton, do Estado de Nova York, nos Estados Unidos.

– Akira Yoshino, de 71 anos, nasceu em Suita, no Japão. É professor da Universidade Meijo, de Nagoya, no Japão, e pesquisador honorário da empresa Asahi Kasei.

(O Estado de S.Paulo/Giovana Girardi)