O perigo dos mototáxis

O Estado de S. Paulo

 

A atividade de mototáxis na capital paulista – que tem agora plenas condições legais de existir, com a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou inconstitucional a lei municipal que a proibia – tem tudo para agravar ainda mais os riscos a que se expõem os que trabalham com motocicleta, cuja taxa de mortalidade é a que mais aumenta entre todos que se envolvem em acidentes de trânsito. Riscos que, com os mototáxis, se estendem igualmente ao passageiro transportado, o que torna esse um problema duplamente preocupante.

 

A Lei 16.901, sancionada pelo prefeito Bruno Covas em junho de 2018, proibia o uso de motos para transporte remunerado de passageiros, de material inflamável e outras cargas que pudessem “pôr em risco a segurança do munícipe”. A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça, argumentando que o Município estava com essa lei invadindo competência da União. Acrescentou que o Brasil já conta com lei federal, de 2009, que autoriza a atividade de mototaxistas. O tribunal aceitou as razões da Procuradoria e decidiu que cabe à Prefeitura apenas regulamentar e fiscalizar a atividade.

 

Embora o governo municipal tenha afirmado em nota que recorrerá da decisão, é conveniente discutir desde já outro aspecto do problema – o perigo que o mototáxi representa, tanto para o condutor como para o passageiro. A advertência do consultor em mobilidade urbana Flamínio Fischmann, em artigo no Estado, é baseada em sólidos argumentos e deve ser levada em conta: “Aumentar o contingente de motociclistas profissionais em São Paulo é uma temeridade. O maior problema de segurança no trânsito do Brasil é o aumento expressivo de acidentes graves ou fatais de motociclistas”. As estatísticas lhe dão razão.

 

Dados oficiais do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga), do governo do Estado, mostram que o número de mortos em acidentes de trânsito na capital paulista que mais cresceu, em 2018 em relação a 2017, foi o de motociclistas –18%. Foi ele o responsável pela interrupção de uma sequência de dois anos de diminuição do total geral de mortos. Em 2018, esse total ficou estável, com 884, apenas um a menos que no ano anterior. Técnicos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) atribuíram aquele aumento de 18% à maior participação, no mercado de moto fretes, dos aplicativos de entrega de mercadorias as mais diversas, principalmente refeições.

 

Ao oferecer aos motoboys prêmios a quem faz mais entregas, as empresas que controlam tais aplicativos estimulam a direção imprudente, segundo os técnicos da CET, o que eleva os riscos do trabalho. Como essa oferta de prêmios é proibida pela Lei Federal 12.436/2011, a Prefeitura pode tentar coibir a prática por meio da fiscalização. Se isso vai dar certo, as próximas estatísticas dirão. No caso dos mototáxis, a situação é diferente. Para pior.

 

Além de aumentar o número de motociclistas profissionais em atividade na cidade, o que por si só já colabora para o crescimento da insegurança, isso deve ser agravado pelo desejo dos passageiros de mototáxi de chegar rapidamente a seu destino. Não é apenas pelo custo mais baixo, mas também pela pressa que esses passageiros optam pelo mototáxi em vez do táxi normal. Mas o mais grave é que, sendo essa atividade legal, a Prefeitura não pode fazer muito para enfrentar o perigo que ela representa.

 

E, no entanto, tudo indica que o crescimento dessa nova modalidade de transporte de passageiros – mais rápida, barata e perigosa – é mesmo uma “temeridade”, como alerta Fischmann. E ele acrescenta outro elemento negativo: o aumento do número de acidentes com motos, que deve ocorrer com a expansão desse meio de transporte, pode complicar ainda mais o trânsito já difícil da capital.

 

A solução – que interessa a todas as grandes cidades do País, nas quais os mototáxis já estão se difundindo – está nas mãos do Congresso. Só ele pode rever a autorização para a atividade do mototáxi. (O Estado de S. Paulo)