O Estado de S. Paulo
A forte repercussão internacional das notícias de aumento de queimadas na Amazônia trouxe risco concreto para a economia brasileira. Ontem, os governos da França e da Irlanda ameaçaram bloquear o acordo comercial firmado em junho entre o Mercosul e a União Europeia, caso o Brasil não tome providências para proteger a floresta amazônica. Além disso, a Finlândia, que detém a presidência rotativa da UE, pediu ao bloco que estude a possibilidade de proibir a carne bovina brasileira em seus mercados, também por causa do desmatamento na Amazônia.
Essas ameaças ao acordo entre os blocos, que prevê a queda nas tarifas de importação de lado a lado, têm sido observadas com atenção pelo governo brasileiro. Segundo fonte que acompanha o processo, o tema ainda “está muito verde”, mas a possibilidade de o tratado não ser ratificado está, sim, no radar.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, admitiu ontem a preocupação com possíveis embargos ao agronegócio brasileiro, mas avaliou que é preciso “baixar a temperatura” das críticas globais. “Temos de separar o que é queimada e incêndio, pois vivemos uma seca grande.”
Um dos riscos é o acordo ser arquivado antes mesmo da análise pelo parlamento europeu. Em meio a divergências entre o Brasil e países europeus, o acordo entre a UE e o Mercosul está em revisão jurídica e passará por nova análise do comissariado europeu antes de ser enviado ao parlamento do bloco.
A expectativa é de que essa etapa seja entre março e abril de 2020, quando o acordo poderia, até ser arquivado e nem chegar ao parlamento. Para fontes que acompanham a negociação, porém, se espera que até lá os ânimos se acalmem dos dois lados.
A chance de embargo causa grande temor no agronegócio, que há tempos trabalha para mudar a imagem de vilão das florestas. “O Brasil, depois de anos, conquistou o mundo e o mercado externo, a situação é de apreensão”, disse Alcides Torres, da Scot Consultoria, especializada no setor agrícola. Mesmo na China, principal destino das exportações, a preocupação ambiental é cada vez maior.
Para Marcelo Vieira, da Sociedade Rural Brasileira (SRB), porém, o que acontece no caso específico da União Europeia é só oportunismo. “Os protecionistas da UE vão colocar toda e qualquer motivação para dificultar o acesso da produção brasileira”, disse. “Esse acordo entre UE e Mercosul vai demorar muito antes de ser concluído. Políticos mais radicais, como Emmanuel Macron (presidente francês), tendem a se aproveitar. Mas não acredito que as discussões de agora vão interferir em um acordo de longo prazo.”
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), em nome de suas empresas associadas que representam faturamento de 45% do PIB nacional, publicou nota em defesa de aprimorar os sistemas de controle e monitoramento “para zerar o desmatamento ilegal no curto prazo na Amazônia e em todos os biomas”. Para a CEBDS, controlar o desmate “é a opção de menor custo (privado e social)” para reduzir gases-estufa.
Mentira
O tom da crítica de Macron ao Brasil subiu ontem, quando seu gabinete afirmou que o presidente Jair Bolsonaro mentiu ao minimizar preocupações com a mudança climática na cúpula do G-20, no Japão, em junho. No Twitter, Bolsonaro disse “lamentar” o fato de um chefe de Estado se referir a ele como mentiroso. “Não somos nós que divulgamos foto do século passado para potencializar o ódio contra o Brasil por mera vaidade”, escreveu, referindo-se ao fato de Macron ter publicado foto antiga de queimada na Amazônia para ilustrar a situação atual.
O primeiro-ministro irlandês, Leo Vardakar disse que “não há como a Irlanda votar a favor do acordo entre a UE e o Mercosul se o Brasil não cumprir seus compromissos ambientais”. Segundo o jornal irlandês Independent, Vardakar se disse muito preocupado com a Amazônia. (O Estado de S. Paulo/Lorenna Rodrigues, Julia Linder, Mônica Scaramuzzo, Tânia Rabello, Wagner Gomes e Gustavo Porto)