O Estado de S. Paulo
Dinheiro curto, emprego incerto e mercadoria encalhada continuam dominando a cena, enquanto se acumulam, na economia, alguns sinais bem-vindos de mudança. Há novidades positivas, mas sempre acompanhadas de uma ressalva. “A produção industrial mostrou forte alta na passagem de junho para julho”, segundo nova sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Máquinas trabalharam mais e o uso da capacidade instalada chegou a 68%, repetindo o nível de 2018 e superando os de 2015 a 2017. Já se fala até em mais contratações, depois de cinco meses de resultados negativos nesse quesito. As expectativas para os meses seguintes melhoraram, exceto quanto às exportações. As boas-novas, no entanto, são insuficientes para tornar o quadro muito mais luminoso.
Em julho, diminuiu o número de empregados. A queda foi menor que em junho, mas a direção se manteve. Os estoques continuaram a se acumular. Pior que isso, o índice de estoques indesejados tem crescido desde janeiro e chegou no mês passado ao nível mais alto desde maio de 2018, quando a paralisação do transporte rodoviário impediu o embarque das mercadorias vendidas. Desta vez havia transporte, mas obviamente faltou demanda – um detalhe implícito, mas evidente, no relatório da CNI.
A acumulação de estoques parece indicar também excesso de otimismo no planejamento da produção. O choque de realidade parece estar sempre relacionado com o desemprego muito alto e com a insegurança do consumidor.
A mesma sequência de novidades animadoras e de ressalvas aparece no informe da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) divulgado na quinta-feira. O indicador mais amplo subiu 1,1 ponto em agosto e atingiu 89,2 pontos, o nível mais alto desde abril, quando havia chegado a 89,5. Mas a novidade fica menos positiva quando se examinam alguns detalhes.
Em primeiro lugar, a melhora ocorreu somente na avaliação das condições atuais. Houve algum avanço nas condições do orçamento familiar e alívio em relação ao endividamento. Mas outros fatores afetaram negativamente as expectativas. Aumentou a insegurança quanto à evolução do emprego e, ao mesmo tempo, diminuiu a disposição, declarada pelos entrevistados, de compras de bens duráveis.
Em agosto – e este é um pormenor significativo – a avaliação das condições presentes melhorou pelo segundo mês consecutivo, enquanto pioraram as expectativas em relação aos meses seguintes. A evolução do quadro presente, embora positiva, continua insuficiente, portanto, para tornar menos nebuloso o horizonte e para dar às famílias, duramente castigadas pela crise, maior segurança para consumir.
A fraqueza do consumo continua refletida na inflação muito bem-comportada. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), prévia do indicador oficial, subiu apenas 0,08% no último período apurado. O IPCA-15 é medido entre o meio de um mês e o meio do mês seguinte. A alta recém-divulgada, a menor para o mês de agosto desde 2010, ocorreu essencialmente no item Habitação, por causa do aumento de 4,91% da tarifa de eletricidade. Isso resultou da mudança da bandeira tarifária, por causa da maior dependência de usinas termoelétricas.
A inflação está sendo puxada, como já se havia observado a partir de dados anteriores, pelos preços administrados. Esses preços variam sem depender do comportamento do consumidor. Os preços mais afetados pela disposição de compra das famílias continuam, na maior parte, variando muito lentamente e até caindo.
O governo parece ter percebido, afinal, a persistente fraqueza do consumo, obviamente ligada ao desemprego e à insegurança. O marasmo dos negócios continua afetando a arrecadação tributária e provocando uma progressiva paralisia do governo. Todos esses dados podem provavelmente explicar a decisão do governo de proporcionar algum estímulo ao consumo a partir de setembro. Essa decisão foi muito demorada. Falta conferir se produzirá algum alívio sensível para as famílias em dificuldades. (O Estado de S. Paulo)