O Estado de S. Paulo
A assinatura do protocolo de intenções do acordo Mercosul-UE (União Europeia) de livre comércio, em julho, foi festejada pela indústria nacional de veículos. Executivos de montadoras e associações de fabricantes consideram o tratado positivo para o carro brasileiro.
Mas há ressalvas. “Para o País, há diversas oportunidades, mas também ameaças”, diz o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes.
O Jornal do Carro ouviu executivos de várias montadoras, das fabricantes de modelos generalistas às de carros de luxo. Há um consenso: se o acordo Mercosul-UE, que será implementado de maneira gradual, passasse a valer hoje, a indústria nacional sofreria um baque. O motivo é que falta eficiência ao setor no País.
Calendário já existe
“A boa notícia é que a melhora no nível de competitividade agora tem prazo para acontecer, graças ao acordo Mercosul-UE”, diz Moraes. Para o presidente da Audi do Brasil, Johannes Roscheck, mercados como o brasileiro não estão prontos para competir globalmente.
“Um mercado fechado cria suas próprias regras. É como um oligopólio, sem alternativas”, afirma.
Os dirigentes ouvidos concordam que o governo brasileiro precisa criar medidas para garantir a evolução do setor. A principal, segundo eles, é a reforma tributária, para reduzir a complexidade dos impostos no País. “Os custos que a burocracia desse sistema complexo causa às empresas encarecem o carro nacional”, diz Moraes.
A Anfavea divulgou recentemente um estudo sobre o papel do carro brasileiro no mundo. Entre os destaques, esses veículos respondem por 62% das vendas na Argentina.
Na América do Sul, excluindo a Argentina e o México, o número cai para 10%. No México, o carro brasileiro representa 5,4% do mercado. “No mundo, a representatividade é zero”, diz Moraes.
Por isso, segundo executivos do setor, o acordo deve fortalecer o papel do Brasil como exportador. “Mas isso só vai acontecer quando o País reduzir custos”, pondera o presidente da Anfavea. Trazer autopeças sem impostos de importação também pode ajudar a reduzir o preço do carro nacional vendido no País.
Consultor da Bright Consulting, Paulo Cardamone diz que a falta de competitividade da indústria brasileira é um problema sério. “Vejo poucas chances de o acordo potencializar o Brasil como exportador de carros. “A não ser que uma revolução aconteça.”
O consultor vê chances remotas, inclusive para a exportação de autopeças para a Europa.
Para a indústria automobilística, as regras do acordo Mercosul-UE de livre comércio já estão definidas. O processo de abertura dos dois mercados ocorrerá de maneira gradual. O primeiro passo é transformar o protocolo de intenções em acordo, o que deve levar entre dois e três anos, de acordo com informações da Anfavea.
“A pauta agora vai à votação nos congressos dos países do Mercosul e dos da União Europeia”, diz Moraes. A partir do que ele chama de “momento zero”, que é a consumação do acordo, terá início um processo previsto para durar 15 anos.
Esse é o prazo para a consolidação do comércio livre de taxas de importação entre os dois blocos. “Nos primeiros sete anos, poderão vir da Europa para o Mercosul 50 mil carros, sendo 32 mil para o Brasil”, diz o executivo. Nesse caso, o imposto de importação cairá dos atuais 35% para 17,5%.
A divisão da cota entre as empresas será definida pela União Europeia. Após os primeiros sete anos, não haverá mais restrição ao total de carros importados. A partir de então, a taxa de importação será reduzida gradualmente, até chegar a zero após 15 anos.
No oitavo e nono ano, a taxa será maior que nos sete primeiros. Só a partir do décimo ano o imposto voltará a cair.
Após o fim do programa automotivo Inovar-Auto (em 2018), que reforçou o protecionismo ao carro nacional por meio do aumento do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para importados, a indústria automobilística nacional festeja a perspectiva de abertura, que pode gerar novas oportunidades para o País, de acordo com executivos e consultores do setor.
Para Paulo Roberto Garbossa, consultor da ADK Automotive, o ponto mais importante do acordo é o impulso para tornar o setor mais competitivo.
Presidente da Volkswagen, Pablo Di Si diz que o acordo é fundamental, mas trará poucas mudanças para a empresa de origem alemã. “Na Europa, a marca está partindo para a total eletrificação. E carros elétricos já são isentos de imposto de importação no Brasil.”
A reforma tributária é, na opinião de executivos do setor, o fator mais importante para aumentar a competitividade da indústria brasileira. “Neste momento, não há uma perspectiva de redução de impostos, e sim de simplificação”, diz Moraes. “A complexidade do sistema tributário brasileiro encarece o produto final”, afirma Gleide Souza, diretora de relações governamentais da BMW.
Roscheck diz que o maior entrave à competitividade do Brasil é o que ele chama de impostos em cascata. “Não temos custos trabalhistas altos. São semelhantes aos dos novos países da União Europeia (Leste Europeu). Mas temos gastos para lidar com a complexidade dos impostos, que acabam gerando também burocracia.”
Segundo o executivo, por causa dos impostos em cascata, as empresas instaladas no Brasil têm três vezes mais pessoas trabalhando na área de finanças que na Europa. Ele afirma que os gastos com consultorias para lidar com as regulamentações também são muito altos.
Temos gastos para lidar com a complexidade dos impostos, que também geram burocracia” Johannes Roscheck, presidente da Audi do Brasil. (O Estado de S. Paulo/Rafaela Borges e Tião Oliveira)