O Estado de S. Paulo
Apesar de a maioria dos economistas acreditar ser muito cedo para falar em recessão técnica global (dois trimestres consecutivos de PIB negativo), há sinais de que a atividade econômica possa crescer menos de 3% em 2020, patamar considerado crítico por especialistas.
O Itaú Unibanco, por exemplo, projeta uma alta de 3,2% na atividade global neste ano e de 3,1% em 2020. “Mas vemos chance de a economia ficar ainda mais fraca. Estamos no limite de uma recessão. Qualquer choque extra pode levar o mundo a uma crise”, diz Roberto Prado, economista do banco.
As projeções de PIB ainda estão longe de um número negativo, mas uma alta da economia global abaixo dos 3% é tida como ruim porque a China costuma distorcer os dados, puxando-os para cima com seus crescimentos superiores a 6%, explica Prado. “Com um PIB global inferior a 3%, muitos países já podem estar em recessão”, acrescenta.
A opinião é compartilhada pelo estrategista-chefe do BTG Pactual Wealth Management, João Scandiuzzi: “Tecnicamente, não dá para falar em recessão global, mas a sensação é de crescimento abaixo do potencial (ritmo de expansão que não gera pressão inflacionária).”
Em julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu sua estimativa do PIB global para 2019 de 3,3% para 3,2%. Por enquanto, as projeções para 2020 são mais animadoras: alta de 3,5% – até junho, a estimativa do órgão era de 3,6%.
Economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif destaca que só o fato de se estar discutindo a possibilidade de a economia mergulhar em uma recessão já é negativo. “Isso machuca o mercado, por trazer muita incerteza. O pano de fundo é preocupante. Como não se sabe para onde vai a guerra comercial entre China e Estados Unidos, não é possível saber quando a desaceleração vai parar”, diz.
Para Paulo Leme, professor de finanças da Universidade de Miami, não fosse a guerra comercial, seria possível manter o crescimento global ao redor de 3,2% nos próximos anos. “Se tudo mais fosse constante e congelássemos os atores, poderíamos ter um equilíbrio com crescimento razoável”, afirma.
Leme destaca ser contra uma redução na taxa básica de juros dos Estados Unidos para tentar alavancar a economia. “A inflação está dentro da meta, não há necessidade de cortar juros. É muito preocupante responder com instrumento monetário algo (uma desaceleração agravada pela guerra comercial) que se pode evitar.”
Crescimento
“Se tudo mais fosse constante e congelássemos os atores, poderíamos ter um equilíbrio com crescimento razoável.” Paulo Leme, professor de finanças da universidade de Miami.
Alemanha
A desaceleração global está em curso desde o ano passado, quando o PIB cresceu 3,6% – 0,2 ponto porcentual a menos que em 2017. Ela seria uma fase natural dos ciclos econômicos, dizem os especialistas, não fosse justamente a guerra comercial, cujos impactos na economia real começam a se aprofundar.
A Alemanha foi o primeiro país a escancarar os efeitos do embate entre as duas maiores potências do mundo. Sua economia tem um alto grau de dependência de exportações de produtos industrializados, principalmente para a China. Em junho, as exportações alemãs caíram 8% e a produção industrial 5,2 % na comparação com o mesmo mês de 2018 – foi o maior recuo da indústria desde 2009.
A indústria automotiva, a principal da Alemanha, tem ainda puxado o desempenho para baixo por causa de adaptações a padrões mais rigorosos de emissões de poluentes.
Por enquanto, a desaceleração no país, cuja economia é a maior da União Europeia, está limitada ao setor industrial. Se atingir os serviços – responsáveis por gerar o maior volume de postos de trabalho –, pode se alastrar por toda a economia. “O mercado de trabalho está indo bem, a questão é quanto de contaminação (da indústria para outros segmentos) veremos”, afirma Scandiuzzi, do BTG Pactual.
Brasil
O estrategista do banco diz também que o Brasil não deve sofrer muito com a redução do comércio global decorrente da desaceleração, pois ainda é um mercado bastante fechado. O freio no crescimento chinês, porém, tem derrubado o preço de commodities como petróleo e minério de ferro – importantes produtos para a economia brasileira.
O economista Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, lembra que o ambiente incerto e de pessimismo pode contaminar por aqui. Zeina Latif acrescenta que esse clima deve reduzir o investimento estrangeiro direto no País. “Não existe deslocamento perfeito. Mesmo que a gente faça a lição de casa sempre haverá contágio”. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz)