Vitória do kirchnerismo leva pânico ao mercado argentino e afeta o Brasil

O Estado de S. Paulo

 

O mercado financeiro da Argentina acordou em pânico ontem, com a vitória com folga da chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas eleições primárias para a presidência daquele país. O dólar disparou e levou o Banco Central argentino a aumentar a taxa de juros para 74%. O índice Merval, o principal da Bolsa de Buenos Aires, caiu 37,9%. A movimentação atingiu o Brasil. Por aqui, o Ibovespa recuou 2% e o dólar subiu, fechando o dia em R$ 3,98. Os investidores receiam que uma vitória kirchnerista signifique o fim da política econômica adotada pelo governo de Mauricio Macri e do acordo firmado com o FMI. Analistas econômicos também temem que o resultado, considerado agora “quase irreversível”, abra as portas para a retomada do populismo e de medidas intervencionistas. O “terremoto” na Argentina não deve afetar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, fechado em julho. Pelo tratado, o Brasil não depende do país vizinho para pôr as regras de livre-comércio em vigor.

 

A derrota do presidente Mauricio Macri nas eleições primárias, realizadas no domingo na Argentina, provocou pânico no mercado financeiro do país, com efeitos negativos também para o Brasil. O dólar disparou e levou o Banco Central da Argentina a aumentar a taxa de juros em dez pontos porcentuais, para 74%. Com a medida, o dólar recuou, mas ainda encerrou com alta de 8,8%, valendo 52,1 pesos. O índice Merval, o principal da Bolsa de Buenos Aires, caiu 37,9%.

 

No Brasil, o Ibovespa recuou 2%, fechando aos 101,9 mil pontos. O dólar subiu 1,09% e encerrou o dia a R$ 3,98 – após bater a casa dos R$ 4. Além da situação argentina, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, há um clima de aversão ao risco no mercado internacional – decorrente da tensão gerada pela guerra comercial entre EUA e China – que também prejudica o País.

 

O pânico no mercado argentino deriva da interpretação de que a vitória da chapa opositora, de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, nas primárias “põe em xeque a política econômica do governo Macri e o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI)”, avaliou a empresa de serviços financeiros INTL FCStone.

 

Há também um temor de que medidas intervencionistas – amplamente utilizadas no período dos ex-presidentes Nestor e Cristina Kirchner – sejam retomadas, como o controle de acesso ao dólar e a concessão de subsídios em serviços como transporte e energia.

 

Na noite de domingo, após a divulgação dos primeiros dados da apuração, Fernández afirmou que sua vitória era uma “mensagem que diz não à reforma trabalhista” de Macri. Acrescentou que, caso ganhe em outubro, não continuará “presenteando” bancos com o pagamento de taxas de juros.

 

A chapa de Fernández, que tem a ex-presidente Cristina como vice, conquistou 47,6% dos votos, enquanto Macri teve 32%. Se o resultado se repetir em outubro, com os kirchneristas acima da marca de 45%, a oposição levará o pleito no primeiro turno.

 

Os bancos já dão quase como certa a vitória kirchnerista. Em relatório, o estrategista Tiago Severo, do Goldman Sachs, afirmou que o resultado é “quase irreversível”.

 

Um economista do mercado financeiro argentino, que pediu para não ser identificado, afirmou ser pouco provável que o pânico na Bolsa mude o resultado das eleições em outubro e relacionou o derretimento do peso argentino à falta de confiança dos investidores no kirchnerismo. Para ele, um possível novo governo kirchnerista não deverá dar calote no FMI, mas tentar renegociar as condições do empréstimo de US$ 56 bilhões concedido a Macri.

 

Próximo a Fernández, o economista Matías Kulfas tentou acalmar o mercado. Afirmou à imprensa local que o candidato não pretende voltar a controlar o acesso ao câmbio e que há intenção de cumprir com os pagamentos de dívida. “Há algumas semanas, conversamos com enviados do FMI e ratificamos a vontade de diálogo, mas desde uma posição em que se possa modificar o acordo, pois achamos que esse caminho não está atingindo os objetivos (de voltar a crescer)”, afirmou Kulfas. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz e Nicholas Shores)