O Estado de S. Paulo
A inflação no Brasil caiu uma enormidade (veja o gráfico). Caiu tanto que a maioria das pessoas já não nota o novo ambiente ou dá a essa queda o mesmo valor que dá ao ar que respira: entende que o oxigênio é essencial para a vida, mas só se dá conta do seu real valor quando lhe falta o ar ou quando a poluição ataca as vias respiratórias.
Em julho, a evolução do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA, o custo de vida, foi de 0,19%, mais alto que a do mês anterior, que tinha ficado em 0,01%, mas, ainda assim, mais baixa do que o esperado. No período de 12 meses terminado em julho, a inflação foi de 3,22%, atrás dos 4,25% que correspondem ao centro da meta para este ano e dos 4,0%, para 2020.
Convém reprisar este aviso aos navegantes: trata-se de uma trajetória dos preços obtida sem os artificialismos de outros tempos, como foram os congelamentos de preços, os subsídios a produtos ou insumos altamente consumidos, a derrubada na marra das cotações do dólar e da correção monetária; e os atrasos deliberados nos reajustes dos preços controlados pelo governo, os tais preços administrados. Ou seja, a inflação do Brasil começa a mostrar comportamento de ambiente econômico de “preços civilizados”, como alguns preferem dizer.
Ao tomar conhecimento do mergulho, muita gente vê tudo pelo lado perverso e sai resmungando: “Essa preguiça dos preços não engana ninguém, está sendo produzida pelo achatamento do consumo, que vem com a recessão e com o desemprego. Nessas condições, empresário que remarca preços para cima se afoga no encalhe da mercadoria que afunda mais as empresas”.
Não dá para negar esse efeito. Mas é um equívoco pretender que essa queda da inflação se deva primordialmente a essas causas ruins. A Argentina, por exemplo, está atolada numa recessão de 6% ao ano, bem mais “braba” do que a do Brasil. Se o raciocínio anterior está correto, a inflação por lá também teria de mergulhar. E, no entanto, ela cavalga à velocidade de 56% ao ano. O próprio Brasil já passou por inúmeras fases de profunda estagflação, que é como os economistas identificam a situação de uma estagnação do setor produtivo acoplada a uma inflação alta.
A novidade é que a inflação no País passa por uma evolução estrutural que lhe dá sustentabilidade natural, desde que o governo não cometa barbaridades e que não sobrevenha nenhum desastre. Em outras palavras, o Brasil está internalizando os mecanismos que
nas economias industrializadas derrubaram a inflação para alguma coisa entre zero e 2,0% ao ano. Tem a ver com a globalização que há anos vem perseguindo o cada vez mais barato; tem a ver com a intensificação do comércio exterior; com a maior integração das cadeias globais de produção e distribuição, que derruba os custos; e com o maior emprego da automação e da tecnologia de informação, que também vem afundando os custos. Como esse processo está longe do fim, a metamorfose estrutural da inflação no Brasil (e no mundo) deve continuar.
Por aqui, é preciso pinçar três efeitos macroeconômicos dessa inflação que roda a velocidades mais lentas. O primeiro é a melhor distribuição de renda. Não há ladrão maior do poder aquisitivo do trabalhador do que a inflação elevada. Se, ao contrário, ela mergulha, como agora, o poder aquisitivo da população acaba por ser preservado.
O segundo efeito acontece na política monetária. Inflação sob controle e na meta empurra o Banco Central para juros primários (Selic) mais baixos. Hoje, estão nos 6,0% ao ano. Com essa inflação, podem cair para os 5,0%.
E, terceiro efeito, nem sempre valorizado pelos economistas, é o reforço da memória dos preços. Com uma inflação em alta, ninguém consegue se lembrar dos preços que pagou nas compras anteriores. Quanto maior a estabilidade, mais o consumidor conserva a memória dos preços e mais ele consegue rejeitar a mercadoria remarcada para cima. Ou mais eficazmente consegue comparar preços entre concorrentes. No supermercado, a dona de casa olha para a etiqueta e diz: “Na feira da sexta-feira, o quilo desse tomate está 3 reais mais barato do que está aqui”. Ou seja, quanto mais ativada estiver a memória dos preços, mais a concorrência no mercado acaba funcionando e mais a inflação tende a cair. Inflação em baixa reforça inflação em baixa. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)