O Estado de S. Paulo
Condenada a mais um ano de estagnação, a indústria brasileira paga um preço muito alto por duas crises. No mercado interno, milhões de famílias cortam o consumo, o comércio fraqueja e as dificuldades do varejo desembocam nas fábricas. Do lado externo, a recessão na Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil, limita severamente as importações e contamina o setor industrial no Brasil. As exportações totais do Brasil ficaram em US$ 129,9 bilhões entre janeiro e julho, com recuo de 4,7% em relação a um ano antes. Na mesma comparação, as vendas externas de manufaturados diminuíram 6,5% e ficaram em US$ 45 bilhões. O valor vendido ao mercado argentino despencou a enormidade de 39,9% e chegou a modestíssimos US$ 6 bilhões. Mais de 80% dessas vendas são de produtos elaborados.
Os embarques de manufaturados proporcionaram 34,7% da receita obtida com a exportação de bens nos primeiros sete meses de 2019. Essa participação havia sido de 35,3% no período de janeiro a julho do ano passado. Já esteve na casa de 50% por um longo período, mas diminuiu sensivelmente nos últimos 10 a 15 anos. A indústria estaria em melhor estado se tivesse uma participação maior no comércio internacional. Disso resultariam, certamente, benefícios para toda a economia nacional.
Mas a indústria brasileira continua pouco aberta – para exportações e importações – e, embora venda a muitos países, é muito dependente de poucos mercados. Os Estados Unidos são um dos mais importantes.
Tomem-se como exemplo os dados de um ano “normal”, com a economia global em crescimento e firme recuperação, nos principais mercados, depois da crise financeira de 2008. Em 2012, Estados Unidos e Argentina proporcionaram cerca de um terço da receita de exportações brasileiras de manufaturados.
Além de ser, em condições normais, o terceiro maior mercado para exportações brasileiras, a Argentina tem uma posição muito especial na composição do comércio. Em nove anos, no período de 2008 a 2018, 90% ou mais do valor faturado com as vendas à Argentina resultaram das exportações de manufaturados. No mesmo período, manufaturados garantiram mais de 50% da receita em dez anos, no comércio com os Estados Unidos. Em seis anos a parcela foi superior a 55%. No caso da Alemanha, outro grande mercado, essa participação tem ficado na faixa de 30% a 40%.
O quadro é muito diferente quando se trata do maior parceiro comercial do Brasil, a China. Em nove anos, no período de 2008 a 2018, o Brasil obteve mais de 80% da receita com as vendas de produtos básicos – minérios e matérias-primas agrícolas. Raramente os manufaturados proporcionam mais de 2% do valor faturado. A pequena parcela restante corresponde às vendas de semimanufaturados.
Os grandes mercados para a indústria brasileira, portanto, são alguns emergentes, como a Argentina e outros latino-americanos, e algumas potências capitalistas avançadas, com destaque para Estados Unidos e Alemanha. A relação com a China, eleita pelos governos petistas como parceiro preferencial, típico da relação Sul-Sul, é quase colonial.
Não há problema em vender produtos primários ao mercado chinês ou a qualquer outro. Mas uma diplomacia comercial minimamente ambiciosa teria buscado abrir espaço para a indústria manufatureira em todos os mercados. Isso deveria envolver uma política de maior abertura, maior integração nas cadeias de valor e de maior competitividade.
Mas essa política foi negligenciada no longo período petista. Prevaleceu o protecionismo e perdeu-se muito dinheiro com campeões nacionais e setores privilegiados. A maior parte da indústria, é preciso reconhecer, acomodou-se. Pior que isso, entrou em declínio. Houve exceções. Algumas empresas industriais nunca deixaram de batalhar no mercado internacional. Mas só o agronegócio está plenamente integrado no comércio global. Não está claro se o governo atual será capaz de mudar esse quadro. Integração competitiva requer muito mais que ideologia, alinhamento e privatização. (O Estado de S. Paulo)