O fechamento da fábrica da Ford

O Estado de S. Paulo

 

O jeito mais desastrado de tentar salvar a fábrica de caminhões da Ford, em São Bernardo, cujo fechamento foi anunciado terça-feira pelo seu presidente para a América do Sul, Lyle Watters, é procurar nova rodada de socorro do governo.

 

É um jeito desastrado por duas razões: primeira, porque ignora os motivos dos prejuízos que levaram à decisão de fechamento da fábrica; segunda razão, porque o recurso às tetas públicas seria nova tentativa de proteger o que já não tem remédio.

 

A indústria automobilística mundial enfrenta uma revolução. Não se trata apenas de adaptar os sistemas de produção às novas imposições da indústria 4.0. Os veículos que começam a tomar o mercado mundial não têm nada a ver com os que conhecemos desde o fim do século 19. São veículos elétricos ou híbridos, autônomos (sem condutor).

 

O governo dos Estados Unidos tende a considerar os carros elétricos e autônomos como imposição regulatória descabida dos países europeus, que apenas disfarçam uma política protecionista. De acordo com esse ponto de vista, os governos europeus se apegam a questões ambientais (discutíveis para os norte-americanos) para banir veículos movidos a combustíveis fósseis. Como está bem mais atrasada no desenvolvimento dos veículos com nova tecnologia, caso da Ford e da GM, a indústria norte-americana está perdendo batalha importante na guerra comercial. Daí porque o governo Trump passou a encarar o comércio de veículos entre Estados Unidos e Europa como questão de segurança nacional, como bem vem observando a chanceler da Alemanha, Angela Merkel.

 

Enfim, a indústria de veículos dos Estados Unidos há anos vem perdendo terreno no mercado global e agora corre atrás de ajustes. Nesse processo em que estão mergulhadas as matrizes norte-americanas, acabam sobrando contas a pagar para o Brasil, como os casos da Ford e da GM estão mostrando. Nesta quinta-feira, depois de longa conversa com os representantes da Ford, o governador de São Paulo, João Doria, reconheceu que não há saída senão a venda da fábrica de caminhões. Sabe-se lá quem poderia ter interesse no negócio e quanto tempo levaria esse processo.

 

Independentemente desses reflexos, há outro grave problema crônico específico do Brasil. A indústria nacional enfrenta quadro já antigo de falta de competitividade, pelo seu excesso de custos. E isso não se deve apenas à carga tributária excessiva mais ao resto do custo Brasil, mas, também, a seu baixo dinamismo que, por sua vez, tem a ver com o excesso de proteção.

 

A cada baqueada na capacidade de competição, o lobby do setor grita por socorro, em geral acompanhado de movimentos de chantagem baseados no argumento do “desemprego inevitável”. Como os governos sempre cedem, o setor volta a se acomodar, não se atualiza nem se insere nas cadeias globais de produção e não consegue exportar, como reconheceu em entrevista ao Estado (de 17/02) o presidente da GM, Carlos Zarlenga. Nesse processo, não se eximam os sindicatos – parte atuante nesse jogo –, sempre prontos a pressionar os políticos por generosos pacotes de bondades às montadoras.

 

Ou esses problemas são enfrentados nos seus fundamentos ou essa situação se perpetuará.

 

A tabela ao lado mostra como se distribuiu a produção de caminhões no Brasil ao longo do ano de 2018. Há quem não goste de comparar esses números porque refletem produtos muito diferentes entre si. Uma coisa (e um preço) é um caminhão pesado e outro, muito diferente, um caminhão leve. A produção da Ford se concentrou até aqui em caminhões leves e médios. Mas, se essa objeção fosse decisiva, também teria de valer para a produção de automóveis onde a diferença entre modelos também é muito acentuada. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)