Isenção de ICMS e a exclusão de direitos

O Estado de S. Paulo

 

A qualidade da cidadania está ligada à oferta de recursos disponíveis para a população em todos do setores. No transporte, pode ser observada por meio da acessibilidade em ônibus, trens e outros de veículos de mobilidade urbana. Quando essa estrutura não é plenamente acessível, entram em cena as compensações.

 

No universo das pessoas com deficiência, uma das compensações mais conhecidas é a isenção de impostos para a compra de um carro novo, maneira de garantir ao cidadão que convive com restrições físicas, e seus custos específicos, a possibilidade de ir e vir com autonomia e independência.

 

Uma alteração no convênio que trata desse tema, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no último dia 10 de julho, desabou sobre os ombros de cidadãos com deficiência em todo o País e gerou reações imediatas de instituições e parlamentares que atuam na defesa dessa população.

 

Em reunião extraordinária no dia 5 de julho, em Brasília, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, aumentou de dois anos para quatro anos o tempo no qual o cidadão poderá renovar o pedido de isenção do ICMS.

 

“Conceder benefícios fiscais não é a melhor forma de incluir a pessoa com deficiência na sociedade”, defende André Horta Melo, coordenador de secretários do Confaz e secretário de Tributação do Rio Grande do Norte. “Isso tem de ser feito com transporte público de qualidade e com políticas públicas”, ressalta. “O propósito dessa isenção foi distorcido e a proporção do benefício está extrapolada”, diz o secretário.

 

Horta Melo afirma que a concessão de benefícios fiscais “tem sido um problema em diversas áreas, comprometendo 4% do PIB brasileiro, quando na maioria dos países chega, no máximo, a 2%”. O coordenador comenta que, no mercado automotivo atual, os carros têm até cinco anos de garantia. “Essa extrapolação do benefício está prejudicando as pessoas com deficiência porque os estados estão perdendo arrecadação”, comenta o secretário.

 

A mudança do convênio, transformado em lei pelos estados, está em processo de convalidação, que termina 15 dias após a publicação, com a republicação da medida. Para ser mantida, a modificação no convênio precisa ser assinada pelos secretários estaduais. Com esse curto prazo, a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB/SP) e outros parlamentares estão tentando esclarecer aos representantes estaduais por que essa modificação precisa ser revogada.

 

“As pessoas com deficiência estão pagando pela falta de monitoramento para tentar combater as fraudes desse processo”, diz Mara Gabrilli. “Em um momento no qual nosso segmento defende o aumento do teto (hoje fixado em R$ 70 mil) para aquisição do automóvel com isenções, o Confaz vai na direção contrária às nossas demandas, à Lei Brasileira de Inclusão e à Convenção da ONU”, destaca a deputada. “É uma decisão de secretários que tratam da arrecadação do Estado e não têm nenhum envolvimento com nossa causa”.

 

Gabrilli ressalta que o prazo estipulado pelo Decreto nº 5296/2004 para que todo o transporte público disponível no País seja totalmente acessível foi encerrado em 2014. “São determinações ainda não obedecidas. Por isso, é essencial esclarecer que, para pessoas com deficiência, carro não é luxo, mas uma necessidade”.

 

A parlamentar comenta ainda a importância da regulamentação do Índice de Funcionalidade Brasileiro (IF-Br) e a aplicação da avaliação biopsicossocial, proposta na LBI, que devem criar um filtro para definir que realmente tem direito às isenções na compra de um carro.

 

“Um veículo que está em uso há quatro anos tem maiores possibilidades de apresentar defeitos e pode deixar a pessoa com deficiência parada no meio de uma estrada ou até na Marginal Tietê. E se essa pessoa usa cadeira de rodas?”, questiona Rodrigo Rosso, presidente da Abridef (Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiência).

 

“Além disso, a isenção de IPI continua com validade de dois anos. Essa mudança do ICMS vai criar muita confusão. É uma decisão burra, de gente que não vivencia o dia a dia da pessoa com deficiência e do mercado, que está atrás da mesa e apenas cria a lei”, critica Rosso.

 

A alteração, comenta o presidente da Abridef, também cria prejuízo financeiro à pessoa com deficiência. “Com a depreciação de um carro após dois anos da compra, o valor é equivalente ao que o cidadão com deficiência pagou na aquisição com isenções. Na hora de trocar de veículo, esse cidadão não precisa bancar a diferença do novo automóvel. Depois de quatro anos de uso, essa depreciação é muito maior. Pessoas com deficiência que têm menos dinheiro podem não conseguir comprar o novo veículo”, explica Rosso.

 

Para o especialista, a nova regra de isenção terá somente resultados negativos e prejudiciais aos beneficiários. “IPI e ICMS são apenas dois dos vários impostos embutidos no valor de um carro. Não é verdade que os estados perdem arrecadação. Além disso, a venda de carros gera produção na indústria, recolhimentos de impostos, aumento de renda, empregos nas concessionárias e nas montadoras”, argumenta o executivo.

 

Em 2017, segundo dados da Abridef, pessoas com deficiência compraram 187,5 mil carros com isenções de impostos. “Na varejo, a indústria automobilística tem registrado prejuízo e muita dificuldade em vender. As fábricas estão com seus pátios repletos de veículos novos. Enquanto isso, o mercado de vendas diretas, que é o segmento para pessoas com deficiência, mantém as empresas com caixa no azul e dá sobrevida para muitas concessionárias”, conclui Rodrigo Rosso. (O Estado de S. Paulo)