Delegação internacional gosta de ônibus elétrico, mas critica falta de integração nos transportes metropolitanos da Grande São Paulo

Diário do Transporte

 

Duas realidades bem diferentes em poucos quilômetros percorridos.

 

Foi esta a principal percepção de uma delegação de autoridades de transportes da região metropolitana de Turim (Itália) que, em cooperação técnica com o Consórcio Intermunicipal ABC, está na região para trocar experiências sobre mobilidade.

 

“O ônibus elétrico é muito bom. É uma boa prática e percorre um corredor segregado, mas precisa ser melhor trabalhada a questão da bilhetagem, a falta integrações tarifárias” .

 

A conclusão é do representante do Departamento de Trânsito e Mobilidade de Turim, Giuseppe Estivo, ao final de uma visita técnica na manhã desta terça-feira, 27 de fevereiro de 2018, à garagem da Metra, operadora do Corredor ABD, ao centro de monitoramento da empresa e de uma viagem em ônibus reservado entre a sede da companhia, no bairro Planalto, em São Bernardo do Campo, e o Terminal Santo André Oeste, na região central.

 

O trajeto foi percorrido num ônibus do tipo DualBus, de tecnologia brasileira fabricada pela Eletra, que pode operar tanto no modo híbrido (com um motor a combustão gerando energia para o motor elétrico) ou no modo elétrico puro (apenas com a energia armazenada nas baterias).

 

O veículo e a garagem da empresa foram aprovados.

 

Mas logo na chegada ao Terminal Santo André Oeste, a expressão dos integrantes da delegação deixava claro que muitas coisas desagradaram, como iluminação restrita, sinalização, excesso de grades e catracas.

 

Na área próxima ao embarque para os trens da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, surgiam mais dúvidas e olhares que nem sempre demonstravam aprovação.

 

Ao verem o mapa com as linhas metropolitanas perto do corredor de acesso para o trem, os especialistas tentavam entender quais as lógicas do sistema das linhas da CPTM, do Metrô e do Corredor ABD.

 

Mas de tudo o que foi visto pelos profissionais e especialistas internacionais do comitê, o que parece ter mais incomodado mesmo foi a falta de integração tarifária e tecnológica entre ônibus municipais, ônibus metropolitanos comuns, ônibus e trólebus da Metra, Metrô e CPTM.

 

Giuseppe Estivo diz que de uma maneira urgente, regiões como o ABC devem ter agências unificadas de transportes. Afinal, os deslocamentos das pessoas não se restringem apenas À um município e à um sistema, mas na prática as decisões são tomadas de forma isolada pelas cidades e pelo Estado, com pouca comunicação e complementariedade.

 

“Há uma grande necessidade para regiões como o ABC de se criar uma agência regional da operação do transporte para que uma única entidade faça a gestão do transporte público e divida a receita com os operadores. Aí sim poderia haver um único cartão operando todo o sistema” – disse Giuseppe.

 

Os integrantes da delegação se impressionaram negativamente com a quantidade de tarifas diferentes e de cartões que um passageiro que precisa ir de uma cidade para a outra vizinha tem de guardar na carteira.

 

Um exemplo: quem mora em Santo André e precisa ir para regiões de São Paulo, no mínimo tem de “engordar” seu bolso com um cartão municipal do sistema AESA de Santo André, um cartão BOM para um ônibus intermunicipal comum ou Corredor ABD, que pode ser aceito na CPTM e Metrô, e um Bilhete Único para CPTM, Metrô ou ônibus municipal do sistema SPTrans, da capital paulista. Em tudo isso, o passageiro vai ter de desembolsar duas tarifas cheias no mínimo.

 

Essa realidade é bem diferente do que ocorre não somente em Turin, mas em Piemonte, que congregas as províncias de Alessandria, Asti, Biella, Cuneo, Novara, Turim, Verbano-Cusio-Ossola e Vercelli.

 

Por lá, um único bilhete serve para ônibus, trens, metrô e até mesmo para aluguel de bicicletas e carros compartilhados pequenos de dois lugares.

 

O pagamento é por período de uso, independentemente do meio de transporte.

 

Guiseppe ainda afirmou que 1,5 euro por 90 minutos permite o uso de qualquer um destes modais.

 

Há modalidades temporais de bilhetagem com custo proporcional. O “Biglietto Integratto Piemonte” tem as opções diária, semanal, mensal e até anual, de acordo com Giuseppe.

 

Em São Paulo, o Bilhete Único aceito nos ônibus municipais da SPTrans, na CPTM e Metrô, tinha a maior parte destas modalidades temporais. Agora, só há as opções 24 horas e mensal, sendo que depois de o mais recente reajuste que entrou em vigor em 07 de janeiro, por causa do valor e o do número de viagens, para muitas pessoas, as modalidades deixaram de ser vantajosas.

 

Chamado de cartão BIP, o “Biglietto Integratto Piemonte” tem o seguinte slogan para representar as várias opções de transporte com a mesma bilhetagem: Carta bianca alla mobilità, ou, em português, Carta Branca para Mobilidade.

 

O próximo passo de Piemonte é eliminar o cartão. Já está sendo desenvolvido um aplicativo para estes pagamentos.

 

O secretário-geral do Consórcio Intermunicipal ABC, Fábio Palácio, disse que a falta de prioridade ao transporte coletivo também chamou a atenção no primeiro dia de visita, que começou nesta segunda-feira.

 

“Eles se impressionaram com a falta de estrutura que nós temos para priorizar o transporte público. A cidade de Turim tem 900 mil habitantes e mais 26 comunas em volta que perfazem 2,2 milhões de habitantes (o ABC possui 2,75 milhões de moradores, segundo o IBGE). Eles têm oito linhas de trem intercidades, uma linha de Metrô, 90 linhas de ônibus, oito terminais ou seja, um sistema muito mais completo que o nosso. Eles entenderam que aqui falta infraestrutura viária para a gente dar conta de todo nosso fluxo de veículos”.

 

A cidade de Turim tem 130 quilômetros quadrados, mas sua região metropolitana 2,5 mil quilômetros quadrados. Em toda a região do ABC, são 900 quilômetros quadrados.

 

Na região metropolitana de Turim, as cidades são menos conturbadas (emendadas) que a região do ABC. Lá, ainda há uma divisão clara e um distanciamento entre as cidades.

 

Fábio Palácio afirmou que o ABC, assim como toda região metropolitana de São Paulo, tem um desafio de mudar o perfil dos descolamentos das pessoas sem grandes obras viárias.

 

“Para que a gente possa incentivar a mudança das pessoas do modal individual privado para o transporte público, tem de oferecer qualidade, rapidez, maior fluidez, e há uma dificuldade muito grande de conseguir isso sem grandes obras viárias, que requerem vários anos de trabalho e um investimento muito alto. Dentro daquilo que temos hoje, nosso desafio é entender como é possível fazer a melhoria da fluidez do transporte público utilizando tecnologia, integração tarifária, sincronização semafórica… Tudo para ganhar fluidez independentemente do avanço de obras viárias” – disse o secretário-geral do Consórcio.

 

Nesta quarta-feira, a delegação vai visitar a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego da capital.

 

Palácio ainda afirmou que foi feito um contato com os administradores do Cartão BOM para que durante as reuniões técnicas de quinta-feira, expliquem a bilhetagem do sistema intermunicipal.

 

O secretário geral do Consórcio Intermunicipal diz que a partir das reuniões técnicas de quinta-feira serão definidos os principais pontos de um plano regional de mobilidade para captação de recursos internacionais.

 

“Ao término da quinta-feira, nós saímos com a linha mestra do projeto que nós defendermos na União Europeia. Não é com quatro dias de estada aqui que vamos definir um plano, mas com o conhecimento, a percepção do problema e das complexidades que o ABC tem, e na discussão com a experiência deles (Turim), nós vamos conseguir entender em que linhas vamos discutir este plano. Aí nós temos entre fevereiro e maio, juntamente com eles, nas reuniões via Skype que faremos semanalmente, ir aprofundando o detalhamento deste plano, confirmar a possibilidade deste plano na visita da delegação brasileira a Turim e aí sim, detalhá-lo, entre maio e outubro, no momento que defendermos o plano nas instituições econômicas europeias” – explicou. (Diário do Transporte/Adamo Bazani)