Por que carros novos são destruídos?

Notícias Automotivas

 

Uma vez, durante um evento da Chevrolet, no Campo de Provas da General Motors, em Indaiatuba-SP, vimos um exemplar do Chevrolet Camaro da geração anterior à atual, em cor vermelha. O carro estava meio que abandonado entre diversos veículos de testes, aquelas mulas camufladas que os alguns leitores encontram por ruas e estradas desse país. A bordo de um ônibus para um traslado interno, ao comentarmos sobre o belo muscle car, um alto executivo da General Motors (hoje aposentado) nos confidenciou algo triste sobre aquele carro: ele seria completamente destruído.

 

Em rápida explicação, ele revelou que o veículo havia sido trazido dos EUA para testes no país e, como não havia sido homologado, havia um prazo de cinco anos para que o carro fosse utilizado para então ser completamente inutilizado. Mas então, por que isso acontece? Os carros novos são destruídos por um motivo simples, eles não podem ser vendidos no mercado automotivo, seja varejo ou atacado. Seja pessoa física ou jurídica. Eles não possuem homologação para serem vendidos, mas são uma parte importante do processo, que demora em média seis meses.

 

Estes veículos novos em realidade fazem parte de um programa de testes para que o produto final chegue ao mercado atendem aos requisitos de segurança e emissão, que no Brasil são de responsabilidade do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e da Cetesb (Companhia Ambiental de São Paulo). O processo é bem complexo e demorado, variando de quatro a cinco anos, partindo da idealização do projeto até a produção final.

 

Nesse meio, surgem os veículos de testes sempre camuflados e inicialmente rodando sobre “mulas”, onde utilizam a carroceria de outro modelo para ocultar a plataforma do produto final que está embaixo. Alguns projetos enxertam partes novas em bases já existentes, criando assim uma estrutura onde o novo carro irá se sustentar. Outros, porém, já estão prontos em seus países de origem, mas aqui também precisam ter unidades disponíveis para homologação, especialmente no que diz respeito à emissão de poluentes.

 

Por conta de nossa gasolina, que tem etanol misturado, muitos veículos importados demoram para serem aceitos conforme a legislação ambiental nacional. Há também veículos reservados para testes de emissão em laboratórios dos próprios fabricantes, onde se utilizam pilotos ou robôs para simulação de condução em cidade e estrada, respeitando diversos parâmetros exigidos por lei. Outros avaliam componentes quanto à resistência ao choque e mesmo a uma pane elétrica.

 

Toda a arquitetura do futuro produto precisa ser analisada após os testes e ensaios desses veículos, que acabam recebendo diversas configurações e componentes que nunca chegarão ao consumidor final. O crash test é uma fase importante e apenas três montadoras possuem laboratórios para tais ensaios, sendo elas Volkswagen, General Motors e Fiat. Os carros já prontos passam por diversos testes de rodagem, seja em pista fechada, seja em rodovia ou no meio urbano.

 

Há diversas etapas no desenvolvimento do projeto, mas também nos testes diversos com o projeto pronto. Após exaustiva campanha de testes, onde milhões de quilômetros são percorridos para testar a resistência e a confiabilidade de peças e componentes, esses veículos não podem parar no mercado automotivo. Eles não oferecem segurança para eventuais clientes interessados em sua aquisição. Esses protótipos ficam muitas vezes parados nos pátios de fábricas ou em campos de prova, como o CPCA da GM, citado inicialmente.

 

Algumas peças, partes e componentes podem ser reaproveitados em outros projetos, mas a quantidade de veículos de teste só aumenta com o decorrer do programa de desenvolvimento do produto. Assim, a destruição surge como alternativa para um “limpa pátio”, mas também por questões de responsabilidade civil. São veículos que até podem ser confiáveis, mas passaram por tantos testes e ensaios, que suas estruturas podem estar comprometidas.

 

Durante o processo de desenvolvimento do novo carro, até mesmo as peças e conjuntos mecânicos precisam ser descartados e inutilizados, para que jamais esses itens acabem chegando ao mercado de autopeças. Inclusive o desenvolvimento de tais componentes, feitos junto aos fornecedores, contemplam já sua comercialização neste mercado, fora da rede autorizada.

 

Nesse processo de descarte dos carros novos usados pelos fabricantes, o serviço pode ser executado por uma empresa terceirizada, que fica responsável para destruição dos componentes e seu descarte longe dos olhos alheios, visto que o projeto ainda é segredo industrial.

 

Porém, existe a possibilidade de que tais peças e componentes desses carros novos destruídos acabem indo parar no mercado de peças usadas, como aconteceu nos casos dos modelos Renault Kwid e Ford New Fiesta 2018, onde para-choques e outros componentes novos apareceram em sites de venda online.

 

Esse tipo de destruição é comum na indústria automotiva. Em 2014, a Fiat Chrysler autorizou a destruição de 94 protótipos de veículos, inclusive um raro Dodge Viper cupê, que foi o quarto exemplar do modelo produzido e o primeiro com teto fechado, que só viria a aparecer anos depois. A General Motors criou uma polêmica no começo dos anos 2000 com o desmantelamento de todos os exemplares do EV1, seu primeiro carro elétrico, embora alguns tenham ido parar em museus.

 

Como não se pode aplicar um seguro para tais veículos, os fabricantes não podem se arriscar a colocar tais veículos no mercado, pois estes são considerados inseguros. Não existe um contrato em que o cliente isente o fabricante de vício de produto em caso de venda de um protótipo para fins particulares. Por conta disso, a destruição surge como uma opção. Nos EUA, por exemplo, tais carros são esmagados sem cerimônia.

 

Mas, pode acontecer de carros novos, já prontos para distribuição acabarem indo parar no esmagamento ou derretimento. Quando tais carros novos em processo de transporte para exportação ou distribuição sofrem algum dano irreversível, a seguradora geralmente recomenda sua destruição, pois fica muito mais caro repara-los do que indenizar o cliente.

 

No caso Dieselgate, por exemplo, envolvendo a Volkswagen nos EUA, com emissão de NOx muito acima do limite, mais de 9 mil carros novos ficaram esperando atualização e todos poderiam ser descartados, se não houvesse solução para sua correção, o que acabou nem acontecendo, pois foram vendidos assim mesmo para posterior atualização.

 

Veículos que ficam danificados em enchentes de pátios de veículos também acabam indo parar no descarte. Os custos são altos e corrigir todos eles dá mais prejuízo – dependendo do caso – do que produzir um novo lote. A Honda, por exemplo, destruiu 1.055 carros novos de sua planta na Tailândia em 2011. O motivo foi uma inundação que cobriu o pátio de embarque e todos os carros novos que estavam parados, cobrindo-os também com muita lama.

 

Há diversos casos de carros novos destruídos pelos fabricantes por conta de danos em seus pátios de embarque que, ou podem custar demais para reparar ou porque não há correção possível para estes carros, mesmo que seja inviável economicamente. Para quem gosta de carro, ver unidades novas e ainda sem dono sendo destruídas é de cortar o coração…

 

Mas, tudo isso faz parte do processo de criação e fabricação de automóveis, que é bastante complexo, ao ponto de carros prontos para a venda acabarem indo parar dentro de uma prensa gigante ou uma fundição. De qualquer forma, em alguns casos, o que se aproveita retorna para que futuros carros tenham mais sorte e estejam onde todo fabricante quer, nas garagens dos clientes. (Notícias Automotivas/Ricardo de Oliveira)