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Em menos de dois anos, a indústria automotiva brasileira mudou radicalmente o discurso a favor da eletrificação de veículos. Mas para o segmento despontar no mercado local, ainda há obstáculos significativos pela frente.
O primeiro deles é a infraestrutura para recarga. A legislação brasileira não permite a revenda de energia elétrica exceto pelas próprias distribuidoras. E o modelo a ser adotado para desenvolver o negócio, entretanto, está longe de um consenso.
Contudo, algumas empresas já oferecem postos de recarga, muito mais por uma estratégia de marketing do que propriamente um negócio, como é o caso de algumas distribuidoras de energia elétrica em parceria com grupos empresariais.
No caso específico das montadoras, a BMW possui mais de 70 pontos de recarga no País para abastecer o modelo 100% elétrico i3, que foi vendido localmente de 2014 até o fim do mês passado – o grupo planeja trazer agora ao Brasil o novo i3, que tem 50% a mais de autonomia.
De acordo com o gerente de comunicação corporativa da BMW do Brasil, João Veloso, o grupo está investindo R$ 1 milhão em parceria com a empresa de energia EDP para oferecer seis pontos de recarga na rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.
O projeto, relata o executivo, visa facilitar a vida dos proprietários de veículos elétricos não só da marca, como também dos concorrentes – já que os pontos de recarga poderão ser usados por qualquer usuário –, na via que liga os dois principais centros urbanos do País. “Inicialmente, a carga nestes pontos não será cobrada. O projeto deve ser concluído ao final do primeiro trimestre deste ano.”
Escala
Outro problema difícil de superar é a escala. Atualmente, as montadoras ainda não se arriscam a vender elétricos por aqui, apesar do discurso de que esse futuro está muito próximo. Veloso afirma que a BMW foi a primeira marca a comercializar um veículo 100% elétrico no Brasil. Desde 2014, a empresa vendeu todo o estoque de 170 modelos i3 trazidos ao Brasil, com preço sugerido de R$ 159,9 mil. “Conseguimos atingir a nossa meta e comprovamos que existe, sim, uma demanda por veículos elétricos por aqui.”
No entanto, o discurso em torno da eletrificação cresce cada dia mais no País. O presidente da General Motors para América do Sul, Carlos Zarlenga, vem afirmando insistentemente que a montadora quer “liderar a eletrificação no País”, bem como no mundo, e para isso “já está trabalhando neste sentido”, destacou o executivo em evento em São Paulo. Porém, até o momento, a GM não oferece nenhum carro elétrico em sua rede no Brasil.
Executivos da Volkswagen também têm afirmado que a empresa quer liderar a eletrificação na região. O presidente da montadora no Brasil, Pablo Di Si, lembrou recentemente em evento da marca que a meta da Volks é atingir um milhão de elétricos vendidos, globalmente, até 2025. Por aqui, o primeiro passo é trazer, neste ano, o e-Golf, versão elétrica do Golf.
“Até 2020, vamos intensificar a atuação no segmento. No Brasil, os carros elétricos vão se espalhar rapidamente onde a mobilidade elétrica faz sentido, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro”, explicou o diretor de vendas e marketing do board global da Volkswagen, Jürgen Stackmann, no evento.
Outros obstáculos
O maior desafio da escalabilidade do veículo elétrico no mundo continua sendo de sua própria natureza. A indústria automotiva vem trabalhando incessantemente para aprimorar o desempenho da bateria, responsável pela autonomia dos veículos zero emissões, mas o item continua consideravelmente caro.
“Os avanços nessa área são notórios, mas ainda há desafios importantes para superar”, pontua o vice-presidente de vendas e marketing da MAN Latin America, Ricardo Alouche.
A fabricante dos veículos pesados Volkswagen anunciou no final de outubro que irá produzir localmente, até 2020, um caminhão leve 100% elétrico.
E os desafios para reduzir os custos da bateria não ocorrem por falta de investimentos. A empresa que mais simboliza a busca febril pela disseminação do veículo elétrico no mundo, a Tesla, deu início em 2017 à produção em massa de baterias em sua “gigafábrica” em Nevada, nos Estados Unidos.
Mas, apesar do item ser objeto de estudo por mais de um século, continua altamente custoso. “A bateria ainda é o componente mais caro do veículo e, no caso de caminhões grandes, feitos para transportar muita carga, o desafio é enorme”, pondera Alouche.
Para o diretor de engenharia da Cummins América Latina, Adriano Rishi, o custo do caminhão elétrico vai demorar um tempo considerável para se equiparar com o modelo a combustão. “Se houver incentivos governamentais, o segmento de elétricos pode crescer, porém o mais importante é a escala”, avalia. “Em países muito avançados no tema, como Alemanha, a penetração do elétrico ainda é baixa e só vai crescer consideravelmente se os custos caírem”, complementa.
A Cummins é amplamente conhecida pela fabricação de motores a diesel, entretanto, Rishi salienta que a companhia vem expandindo a unidade de elétricos nos EUA. “Estamos em um momento de aprendizado no segmento de eletrificação, mas nós estaremos preparados quando o mercado brasileiro demandar em larga escala esse tipo de produto”, garante.
O setor espera que o novo regime automotivo, intitulado Rota 2030, contemple incentivos para elétricos e híbridos. Mas, segundo fontes da indústria, a falta de consenso sobre o tema ainda é muito grande. (DCI/Juliana Estigarríbia)