Mercosul: mais comércio, menos barreiras

O Estado de S. Paulo

 

Graças à nova convergência de visões entre os sócios-fundadores, o Mercosul passa por uma refundação. Um de seus aspectos notáveis é a derrubada de barreiras que travam o comércio dentro do bloco e impedem o acesso de nossos produtos a outros mercados do planeta. Essa remodelação pretende transformar a América do Sul numa ampla área de livre-comércio.

 

Hoje já há resultados concretos para apresentar. Cito quatro exemplos.

 

Primeiro, num exercício conjunto inédito, por meio do Plano de Ação para o Fortalecimento do Mercosul Comercial e Econômico, os países do bloco identificaram 78 entraves internos. Desse total, 57 (ou 73%) já foram derrubados e receberam tratamento satisfatório no último ano. Entre as principais medidas já superadas estão as restrições na importação pelo Brasil de cítricos argentinos e o anúncio do país vizinho à reabertura de seu mercado para a carne bovina brasileira.

 

Quero, durante a presidência pro tempore, dar continuidade ao tratamento das 21 medidas remanescentes. O caminho trilhado, agora, está na contramão do passado recente, em que obstáculos ao comércio eram criados e se acumulavam, sem nenhum tipo de encaminhamento satisfatório.

 

Em segundo lugar, o Brasil tem trabalhado para adotar mecanismos que evitem o surgimento de novas barreiras. Para isso, foi apresentado neste ano um conjunto de propostas para dar agilidade às questões regulatórias, de forma a impedir que regulamentos técnicos, sanitários e fitossanitários sejam pretextos para dificultar o comércio.

 

Um passo importante é concluir a modernização dos processos e da norma que dispõe sobre a elaboração e revisão de regulamentos do bloco. Para tanto, o Brasil propôs um projeto sobre Iniciativas Facilitadoras de Comércio do Mercosul. Essas ações constituem medidas complementares de cunho voluntário, cooperativo, flexível e interinstitucional em matéria regulatória. A próxima etapa será a de promover discussões sobre um protocolo acerca da coerência e boas práticas regulatórias dentro do Mercosul.

 

Um terceiro exemplo é a plena retomada da agenda de negociações externas. Há dez anos atrasadas, as negociações foram contaminadas por considerações de cunho ideológico. Neste momento, estou fortemente empenhado, junto com os demais chanceleres das nações fundadoras, em concluir um acordo com a União Europeia, em aprofundar os laços com a Aliança do Pacífico e em avançar em novas frentes negociadoras com países desenvolvidos e em desenvolvimento de diferentes regiões do planeta. Isso ajudará a aumentar a produtividade da economia brasileira e trará novas oportunidades de acesso a outros mercados.

 

Vale lembrar que, graças aos acordos celebrados pelo bloco com outros países vizinhos, a América do Sul se tornará até 2019, como mencionei anteriormente, uma ampla área de livre-comércio, com a supressão de praticamente a totalidade das barreiras tarifárias à entrada de nossos produtos nos mercados da região. Em julho, o Mercosul assinou novo acordo com a Colômbia para ampliar a liberalização do comércio de 84% para 97% da pauta tarifária. A presidência brasileira pro tempore trabalha atualmente por um novo entendimento com o México, o único país da Aliança do Pacífico com o qual ainda não há acordo de livre-comércio.

 

O quarto exemplo é o resgate de temas da agenda original do bloco que estavam paralisados. Em abril deste ano foi assinado o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, que propicia aos investidores nos demais países do Mercosul garantias legais de que seus investimentos terão o mesmo tratamento dispensado aos investidores nacionais.

 

Também foram retomadas as negociações do Protocolo de Contratações Públicas, que deve ser concluído até o fim de 2017 e contribuirá para criar mais oportunidades de negócio para as empresas de nossos países. No âmbito do protocolo, cada país integrante do Mercosul propõe o escopo da sua abertura de mercado, as entidades públicas que participarão do arranjo e os bens e serviços eventualmente excluídos, iniciativa inédita no âmbito do bloco. Para 2018 está prevista, por sua vez, a conclusão de mecanismo de proteção mútua de indicações geográficas.

 

Na pauta

 

Há outras matérias relevantes para a integração econômico-comercial que, na avaliação da presidência brasileira, devem ser retomadas: o debate sobre comércio eletrônico (que não ocorre desde 2010); nova rodada negociadora do comércio de serviços (que não ocorre desde 2009); a negociação de um acordo sobre a proteção recíproca de indicações geográficas; a reativação da comissão de micro, pequenas e médias empresas; e ações na área de defesa do consumidor, como a elaboração de um Código do Consumidor do Mercosul.

 

Todas essas matérias, relegadas a um segundo plano no passado recente, trarão, no curto e no médio prazos, resultados positivos para os cidadãos e agentes econômicos dos países-membros do bloco.

 

O momento atual do bloco é de coincidência de objetivos entre os países fundadores, permitindo que todos os temas sejam tratados sem tabus nem preconceitos, respeitando as posições e os limites de cada país, mas sempre em busca de um objetivo comum: o avanço do Mercosul. É nesse sentido que o Brasil não se furtará a abordar com seus sócios-fundadores questões estruturais, como a plena inclusão dos setores automotivo e açucareiro nas disciplinas do bloco. Com a continuidade dos esforços, o bloco seguramente retomará seu papel preponderante nas estratégias nacionais de desenvolvimento econômico e inserção internacional.

 

O Mercosul tem sido, e continuará a ser, formidável instrumento para a defesa da democracia, da estabilidade política e do progresso de nossa região. (O Estado de S. Paulo/Aloysio Nunes Ferreira)