Para garantir seu futuro, Uber acelera corrida pelo carro sem motorista

O Estado de S. Paulo

 

Em um galpão gigantesco às margens do rio Allegheny, um grupo de quase 700 engenheiros e desenvolvedores do aplicativo de transporte Uber tentam assegurar o futuro da startup, atualmente a mais valiosa do mundo, com valor estimado em US$ 70 bilhões. No Centro de Tecnologia Avançada do Uber, o visual descolado, típico das startups de software, contrasta com as oficinas rigorosamente limpas, cheias de carros. É nesse ambiente que a empresa concentra esforços – e investimentos – no carro sem motorista. Decifrar esse enigma, que abrirá as portas de um mercado bilionário, será fator-chave para o Uber sobreviver e continuar crescendo nas próximas décadas.

 

Tirar o carro sem motorista do papel é uma questão de tempo, considerando as altas cifras empregadas e a quantidade de empresas interessadas. Essa espécie de “corrida armamentista” reúne de montadoras tradicionais, como Ford, passando por fabricantes de chips, como a Intel, e empresas de software, como o Google. Segundo apurou o Estado, a expectativa é que os primeiros carros desse tipo cheguem às ruas dos países desenvolvidos em algum momento nos próximos cinco anos. “Mas devemos levar pelo menos dez anos até ser comum ver um carro como este operando nas ruas”, afirma o diretor de pesquisas da consultoria Gartner, Michael Ramsey.

 

O Uber sabe disso e tem pressa: hoje, a empresa reúne 65 milhões de usuários em todo o mundo, mas pode perder a liderança se o projeto do carro autônomo não avançar rápido o suficiente. “Se nós não fizermos, outra empresa fará”, disse Rodrigo Arévalo, gerente geral do Uber para a América Latina, em entrevista ao Estado. “Mais que isso, se não tornarmos o carro sem motorista realidade, vamos nos tornar obsoletos.” Além de ganhar capacidade de aumentar drasticamente sua cobertura – hoje o Uber tem 2 milhões de motoristas no mundo –, a companhia também deixará de pagar os parceiros e economizará recursos significativos.

 

Os esforços do Uber nessa área começaram em 2015, quando a empresa contratou cerca de 50 pesquisadores da Universidade de Carnegie Mellon, um dos principais centros de referência sobre o assunto no mundo, em Pittsburgh. A cidade, que até meados dos anos 1960 era o maior polo de produção de aço do mundo, se reinventou atraindo empresas de tecnologia. A equipe deu origem ao Centro de Tecnologia Avançada do Uber, ampliado no início do ano passado.

 

Poucos meses depois, a empresa deu um salto ambicioso: tornou-se a primeira empresa a testar carros autônomos em escala comercial na cidade, sob supervisão de engenheiros. Na prática, qualquer usuário do Uber pode ser escolhido, aleatoriamente, para ser atendido por um carro autônomo, ao solicitar uma viagem. O projeto começou com cem carros e, hoje, já dobrou e chegou a outros dois municípios: Phoenix, no Arizona, e São Francisco, na Califórnia.

 

“O Uber foi corajoso em colocar pessoas perto de um sistema que não está pronto”, diz Bryant Smith, professor da Escola de Engenharia da Universidade do Sul da Califórnia.

 

Reveses

 

Mas, depois desse impulso inicial, muita coisa mudou no Uber. Ao longo de 2017, a empresa se envolveu em vários escândalos, como a denúncia de uma ex-funcionária sobre assédio sexual. Após uma ampla investigação interna, o então presidente executivo, Travis Kalanick, deixou a empresa no final de junho, sob forte pressão dos investidores. Ele foi substituído pelo iraniano Dara Khosrowshahi, que tem uma ampla reforma organizacional pela frente. “Costumo dizer que Dara está trazendo ‘cabelos brancos’ para o Uber”, diz Arévalo. “Ele tem mais experiência e poderá trazer disciplina.”

 

O projeto do carro autônomo sofreu um baque ao virar alvo de uma disputa judicial com a Waymo, empresa de carros autônomos do Google. Um dos principais engenheiros da empresa do Uber, ex-funcionário do Google, foi acusado de roubar tecnologias antes de fundar a startup Otto, posteriormente comprada pelo Uber. Ainda não há uma decisão da Justiça sobre o caso, e o Uber não comenta. Mas já há especulações sobre o impacto que a decisão pode ter no projeto. “Se o Uber perder, isso vai custar tanto à empresa que eles podem reconsiderar se vale a pena continuar (investindo)”, diz Ramsay, do Gartner.

 

Mas esses não são os únicos desafios para o carro autônomo do Uber. O principal entrave ainda é técnico. “A latência (tempo de resposta) do sistema é um dos principais desafios”, conta Noah Zych, chefe de segurança de sistemas do Centro de Tecnologia Avançada do Uber. “Nossos algoritmos precisam funcionar de forma mais consistente, além de prever o que está acontecendo em volta do carro, em qualquer situação.” Na prática, hoje o sistema ainda não está pronto para dirigir como um humano.

 

Outro desafio é de percepção – a empresa tem obtido sucesso nessa área. Os passageiros, segundo engenheiros do Uber entrevistados pelo Esta- do, não têm medo de usar o veículo sem motorista. Do ponto de vista regulatório, porém, a equação não é simples. Em vista do histórico do Uber, que inclui inúmeras disputas com órgãos reguladores no mundo, deve haver resistência em cooperar com a companhia.

 

“A reputação do Uber não é boa e a empresa precisa mudar”, diz Smith. “O sucesso dos carros autônomos depende da confiança que as pessoas e os governos têm na tecnologia, mas também nas empresas que as desenvolveram”. (O Estado de S. Paulo/Claudia Tozetto)