Jornal do Carro
E essa de a Chrysler poder se tornar uma empresa chinesa? Cá entre nós, é a coisa mais natural do mundo. Dinheiro não tem pátria. Mas provavelmente boa parte da população dos Estados Unidos, presidente incluído, não contava com essa possibilidade.
Na prática, nada deve mudar. Um Chrysler ou um Jeep produzido nos EUA ou no Brasil certamente continuará tendo as mesmas qualidades e os mesmos defeitos que tem hoje, independentemente da nacionalidade do dono.
Mas aí entra em jogo um componente etéreo, simbólico. No passado, a Chrysler foi uma das “3 grandes”, ao lado da Ford e da General Motors. Agora, imagine se uma das “big three” for chinesa! Algo pode ruir no orgulho nacional.
Mas vamos esclarecer alguns pontos. Desde que a Fiat encampou o grupo Chrysler e alterou o nome para FCA, a empresa já não era mais “americana”, no modo convencional de se pensar.
A FCA é o resultado de uma tacada de mestre de Sergio Marchionne, que com a operação salvou a Fiat de um futuro nebuloso. A montadora italiana dependia muito dos mercados italiano e brasileiro. E ambos são muito temperamentais. A propósito, atualmente os dois estão deprimidos.
Com a crise americana no final da década passada, a Chrysler quase quebrou. E, após a aquisição pela Fiat, ambas se fortaleceram. Foi uma espécie de salvamento mútuo. A Chrysler voltou a respirar, e a Fiat conseguiu entrar no mercado americano, usando como trampolim a fábrica da Chrysler no México.
Hoje, a FCA não tem bandeiras. Ou, por outra forma de ver as coisas, tem todas elas. É uma multinacional com sede na Holanda e domicílio fiscal na Inglaterra.
Pode ser difícil para parte da opinião pública americana saber que a sede da Chrysler não é mais em Auburn Hills, e provavelmente vai doer ainda mais se ela for para algum prédio em Xangai, mas o fato é que isso pode salvar o grupo, e significar uma bela injeção de dinheiro.
Há cerca de dois anos, Marchionne tentou uma aproximação com a General Motors. Para xenófobos, talvez fosse a melhor solução. Todos dormiriam felizes. Mas talvez acordassem desempregados. Fusão desse tipo iria mais cedo ou mais tarde resultar em muita demissão. Afinal, departamentos similares (compras, engenharia, etc.) inevitavelmente passariam por algum tipo de “sinergia”, palavra que normalmente é utilizada como eufemismo para demissão.
Com chineses, essa possibilidade não ocorreria. A Volvo só voltou a ter carros novos após ser adquirida pela Geely. Nas mãos da Ford, a montadora sueca sangrava dia após dia.
Da mesma forma, o dinheiro dos chineses pode ser muito útil na renovação de portfólio das marcas da FCA. A Fiat perdeu muito mercado no Brasil enquanto o grupo cuidava da instalação da fábrica da Jeep em Pernambuco.
Em entrevista ao Jornal do Carro em setembro do ano passado, durante o lançamento do Jeep Compass em Pernambuco, Marchionne disse que, a partir daquele momento (após a chegada de Renegade e Compass), era hora de cuidar da fábrica da Fiat: “Em quatro anos, vamos revitalizar Betim”, garantiu. O Argo está aí, mas faltam outros modelos (e muito dinheiro) para a promessa se tornar realidade.
Agora, para finalizar, sabe onde está a ironia disso tudo? Pelo menos três grupos chineses (Geely, Dongfeng e Guangzhou) já anunciaram que não têm interesse em adquirir o grupo FCA. E os americanos não têm motivo para comemorar com esse tipo de decisão. (Jornal do Carro)