O Estado de S. Paulo
O governo tem apostado na recuperação da economia a partir deste fim de ano, mas o último trimestre começou em marcha lenta num dos segmentos industriais mais importantes, o automobilístico. É cedo, no entanto, para jogar a toalha. A reação é certa em novembro e dezembro, garantiu o executivo Antonio Megale, presidente da associação nacional das montadoras, a Anfavea. Este mês, anunciou, será melhor que qualquer dos anteriores desde janeiro. O acerto da previsão dependerá, é claro, da disposição dos consumidores, e quanto a isso ele se mostra confiante. Quando se olha para trás, o cenário é muito menos entusiasmante. A produção de veículos em outubro foi 2,3% maior que em setembro, segundo informou a entidade. É um resultado animador, à primeira vista, especialmente depois das quedas mensais de 6,4% em agosto e de 3,9% em setembro.
Mas o desempenho geral em setembro foi afetado pelos dias de paralisação na Volkswagen. Isso explica, em parte, o aumento registrado em outubro. Além disso, a produção no mês passado, de 174,2 mil veículos, foi 15,1% menor que a de um ano antes. A de janeiro a outubro, de 1,74 milhão, ficou 17,7% abaixo da contabilizada em 2015 nos 10 meses correspondentes. Na melhor hipótese, haverá um longo percurso até se alcançar novamente o volume produzido no ano passado. Mas a recuperação ainda será incompleta. Em 2015, o setor fabricou 22,8% menos que no ano anterior. Em 2014, o total foi 15,3% menor que o de 2013. Para simplificar: o número acumulado em 2016, até outubro, foi o menor em 13 anos. Também isso é parte da herança deixada pelo governo da presidente Dilma Rousseff.
O setor automobilístico já estava muito mal, portanto, quando a economia ainda rumava para a recessão. Em 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) ainda cresceu 0,1%, de acordo com os dados oficiais. Mas o Brasil já estava de fato afundando. O movimento para baixo resultava principalmente do péssimo desempenho de alguns dos segmentos mais importantes da indústria de transformação.
Também isso comprova – como percebiam na época as pessoas medianamente informadas – o fiasco da política econômica do governo federal. Essa política foi baseada principalmente no protecionismo, no pacto de mediocridade com a Argentina e nos estímulos fiscais e financeiros ao consumo. Bons acordos comerciais e estímulos efetivos aos ganhos de eficiência e de competitividade foram desprezados.
O terceiro-mundismo da diplomacia comercial, as concepções anacrônicas da política de desenvolvimento e a distribuição de favores a setores e grupos eleitos como favoritos da corte resultaram em crise fiscal, inflação elevada, recessão, desemprego e enfraquecimento da indústria.
A crise da indústria automobilística sintetiza essa coleção de erros e desmandos. Nem o aumento das vendas externas em 2016 desmente essa afirmação. De janeiro a outubro as montadoras exportaram 400,6 mil veículos, 19,7% mais que um ano antes – uma reação significativa, depois de um grande recuo. Mas os produtos foram embarcados principalmente para a Argentina e para outros mercados latino-americanos. O esforço de diversificação – mais complicado, porque envolve condições mais difíceis de concorrência – apenas começa. De toda forma, a inclusão desse objetivo na agenda setorial é uma novidade muito promissora. Para alcançá-lo será preciso cuidar mais da eficiência e da competitividade e depender menos da proteção.
O retorno ao crescimento só será sustentável, nos próximos anos, se a política econômica for voltada para a obtenção de bons padrões internacionais de produtividade. Também será importante cuidar mais seriamente da pesquisa e da inovação, objetivos até agora valorizados mais na retórica do que na prática. Maior abertura e diplomacia comercial mais pragmática e ambiciosa serão componentes essenciais de qualquer política realista. Essa política envolverá necessariamente uma reavaliação do Mercosul como instrumento de dinamização regional e de integração nos mercados globais. (O Estado de S. Paulo)