Montadoras inovaram negociações trabalhistas

O Estado de S. Paulo

 

Com empregos considerados de boa qualidade e funcionários representados por sindicatos fortes, as montadoras instaladas no País têm sido precursoras ou usuárias assíduas de ferramentas de negociações trabalhistas que tentam salvar empregos, principalmente em épocas de crise econômica, como a atual.

 

Férias coletivas, licença remunerada, banco de horas, suspensão temporária de contratos (lay-off), programa de demissão voluntária (PDV) são medidas que, ao menos nos últimos três anos, têm sido frequentes no setor que viu a produção de veículos despencar de 3,7 milhões de unidades em 2013 para pouco mais de 2 milhões de unidades neste ano.

 

A mais recente medida introduzida no País com essa finalidade, o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), instituído em novembro de 2015, teve forte apoio das montadoras e fabricantes de autopeças, inspiradas em modelo similar adotado na Alemanha há alguns anos.

 

Atualmente, dos cerca de 60 mil trabalhadores inscritos no programa, mais de 30% são funcionários de montadoras. O setor opera com ociosidade acima de 50% e, ainda que tenha adotado todas essas ferramentas, eliminou 31 mil vagas no período. Sem as medidas, teria sido pior, concordam sindicalistas e empresários.

 

No PPE, após acordo com os sindicatos, as empresas podem reduzir jornada e salários em até 30% por seis meses, prorrogáveis por mais seis. Metade do corte salarial é bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no limite de até R$ 900.

 

Após a vigência, os funcionários têm estabilidade durante um terço do tempo em que durou o programa. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, diz que, para o governo, o subsídio pago no PPE “é mais em conta do que pagar o salário-desemprego”.

 

Outra medida adotada com mais frequência nos anos recentes é o lay-off. Nesse regime, o contrato de trabalho é suspenso por até cinco meses, período em que o funcionário recebe o seguro-desemprego e precisa frequentar cursos de requalificação.

 

Uma das primeiras a adotar o lay-off foi a Ford, lembra Marques, no fim dos anos 90. “A empresa queria demitir 2,8 mil trabalhadores e, após uma greve longa, conseguimos um acordo e 2,2 mil pessoas entraram em lay-off e não houve demissão.”

 

Foi também a Ford uma das primeiras a utilizar o banco de horas para administrar excedente de funcionários sem cortes em massas. A medida permite que o funcionário trabalhe menos horas quando o mercado está fraco, e compense depois quando a empresa precisa acelerar a produção.

 

Reestruturação

 

Para o vice presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Ricardo Martins, responsável pelo comitê de relações trabalhistas da entidade, como berço do setor automobilístico brasileiro, a região do ABC concentra grandes montadoras que, por terem fábricas mais antigas, enfrentam maior necessidade de reestruturação.

 

“Por isso, boa parte das medidas trabalhistas são adotadas primeiro pelas empresas da região, que são grande empregadoras”, afirma Martins.

 

O ex-ministro do Trabalho e hoje consultor Almir Pazzianotto, afirma que as negociações trabalhistas foram se alterando à medida que a economia foi se sofisticando e a CLT ficou desatualizada. Ressalta, contudo, que muitas das novas ferramentas são viáveis apenas para grandes empresas.

 

Segundo ele, as pequenas não têm facilidade de negociações “e o dono simplesmente manda o empregado embora pois, na crise, fica muito difícil manter a folha de pagamentos em dia”.

 

Com excesso de pessoal, outra medida que entrou na agenda das montadoras foi o PDV, que consiste em oferecer salários extras para quem se desligar voluntariamente. Normalmente, a empresa tem uma escala de valores que aumenta dependendo do tempo de trabalho do funcionário.

 

Num pacote oferecido pela Volkswagen aos empregados da fábrica de São Bernardo do Campo no mês passado houve, até agora, mais de 1,2 mil adesões. Quem tem mais de 30 anos de empresa poderia receber 35 salários extras. Esse desligamento e outras medidas como congelamento de salários evitou 3,6 mil demissões aleatórias.

 

A Mercedes-Benz inovou na fábrica de São Bernardo. Ofereceu R$ 100 mil extras a quem aderisse ao PDV, independente do tempo de casa. Obteve pouco mais de 1 mil inscrições e, como alegava ter 1,4 mil excedentes, demitiu outros 370.

 

“Sempre negociamos ferramentas que permitam às empresas uma reestruturação sem a dor da demissão sumária, em massa”, diz Marques. “Pelo menos uma indenização decente para que o trabalhador, especialmente os mais velhos, possam encerrar a carreira com um mínimo de dignidade.”

 

Lucros

 

Mais um programa que faz parte das discussões do dissídio dos metalúrgicos, e que virou lei no final de 2000, é o da Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Nas montadoras do ABC, desde os anos 80, quando surgiram as primeiras comissões de fábrica, já havia ações para premiar o funcionário como meio de incentivar a produtividade. Na época, era chamado de abono emergencial ou 14.º salário.

 

Quatro perguntas para…

José Pastore, professor de Relações do Trabalho da USP

 

1.Como o sr. avalia as  ferramentas adotadas  no Brasil para tentar evitar demissões?

São importantes e todos os países possuem esses tipos de medidas. Elas contribuem bastante pois, numa hora de crise, a última coisa que se quer é demitir funcionários. Essas ferramentas ajudam a manter os empregos o maior tempo possível.

 

2.O que funciona mais?

Em minha opinião, é o banco de horas, que foi criado em 1998 pela lei 9.601. Quando a empresa não tem demanda, ela pode reduzir a jornada e os salários e, quando precisa de hora extra, utiliza esse crédito. É diferente do PPE (Programa de Proteção ao Emprego), usado quando se tem uma situação mais grave. O banco de horas é para situações de mais curto prazo.

 

3.O setor automotivo é o que mais usa as ferramentas disponíveis para evitar demissões?

Sim, pois é um setor que tem uma base sindical muito bem organizada e tem uma posição flutuante, cíclica, e por isso precisa dessas medidas e as tem adotado. Quem, por exemplo, também tem base sindical organizada, mas não usa esse tipo de medida são os bancos, pois é um setor com atividade regular, que não tem queda de demanda.

 

4.Que novas ferramentas podem ser adotadas no futuro?

Sou a favor da medida que está em discussão na reforma trabalhista, que é o negociado ter tanta força quanto tem a lei. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)