O Estado de S. Paulo
No comando da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) na América Latina há nove meses, o engenheiro Stefan Ketter tem uma visão diferente de muitos de seus pares. Contrário a medidas imediatistas, como subsídios que geram um mercado artificial, ele vai levar ao presidente Michel Temer, depois de falar com as demais montadoras, um projeto de longo prazo para colocar a indústria automobilística na rota de um crescimento sustentável. Em visita ao Estado na quarta-feira, no momento em que o impeachment de Dilma Rousseff foi aprovado, Ketter falou sobre o futuro de um dos mais importantes setores da economia nacional.
Está dentro das lei brasileiras, na Constituição. Foi gerenciado de forma correta e veloz. O importante para nós, como indústria, é ter clareza em relação às políticas que nos interessam. Precisamos do compartilhamento de muitas coisas para o crescimento do País. Precisamos de um governo funcionando, e vai funcionar.
Qual sua expectativa em relação ao governo Temer?
Já constatamos que a equipe econômica é de alta competência. Há potencial de compartilhar um plano de crescimento que é absolutamente necessário. Entendemos as dificuldades, mas, para manter uma certa confiança no futuro, temas importantes precisam ser votados de forma clara, como o ajuste fiscal e a Previdência. Uma vez que a confiança se restabeleça, o mercado tende a se tornar mais estrutural. E é uma oportunidade para começarmos a trabalhar uma agenda de longo prazo.
Uma das marcas do governo anterior foram as políticas de isenção de impostos e subsídios. Essa política deve ser mantida?
Sou contra subsídios, pois não visam ao futuro. Não há milagres que resolvam imediatamente uma situação. O fundamental é ter uma política que se estenda por dez anos, com fases, regras, limites claros. Isso ajudaria o setor a se desenvolver de forma mais sustentável. O setor automotivo tem visão de 10, 15 anos, nunca faz um investimento para dois anos. Então, precisamos de uma política de longo prazo que envolva toda a cadeia, com fornecedores e concessionários. Um plano que dê mais consistência ao setor levaria ao crescimento real das vendas. Medidas de curto prazo levam só ao crescimento artificial.
O que deve ter nesse plano?
Em primeiro lugar, criar um marco regulatório claro e de longo prazo. Precisa encerrar as constantes mudanças de legislação, dando a previsibilidade necessária para a indústria retomar investimentos, agilidade e competitividade. Um exemplo é a complexidade da legislação tributária, que gera insegurança para investidores. Todo dia tem uma lei nova e as regras não são claras, criando passivos. É tão difícil de entender que as empresas precisam manter equipes dedicadas a estudar a estrutura tributária. Essa complexidade gera custos ocultos e desnecessários que afetam a competitividade. Uma reforma tributária que simplifique regras atuais é fundamental para recolocar o País no caminho do crescimento.
Que outro tipo de medida pode ser adotada pelo governo?
Se tivermos metas claras, nós, como setor, saberemos conduzir uma nacionalização mais forte, trazer tecnologias necessárias para não dependermos de importação e sermos competitivos. Há, por exemplo, empresas novas interessadas no Brasil e seria importante facilitar essa entrada em termos legislativos e burocráticos.
Nos últimos anos, as montadoras defenderam medidas como redução de impostos, especialmente em períodos de crise. Como isso é tratado na Anfavea?
Isso é uma percepção nossa, não discutimos ainda dentro da Anfavea, mas isso será feito.
O sr. vai propor mudanças na tributação?
Uma sugestão a ser discutida é que a tributação seja feita por outras metas, como de emissões ou eficiência energética.
Em vez de ser pela cilindrada, como é hoje?
É uma das possibilidades. O importante é que estejamos abertos a discutir e construir isso de forma sustentável com o governo.
A indústria automobilística tem fábricas com mais de 50% de ociosidade. Como resolver isso?
É voltar ao crescimento, mas só isso não seria suficiente. Precisamos usar a capacidade instalada nos últimos tempos também para transformar o Brasil em uma plataforma de exportação. O ideal para assegurar o desenvolvimento sustentável do setor e criar uma proteção natural a crises é que nossa indústria exporte ao menos 30% de sua capacidade, sem contar o volume enviado para a Argentina, que é um mercado integrado. Se considerarmos apenas a América do Sul, temos um mercado consumidor de 5 milhões de carros por ano. O Brasil tem potencial para ser o hub de produção para atender a toda essa região. Mas exportar requer competitividade em termos de tecnologias, de produtos, e estamos defasados.
Como mudar isso?
Para nos tornarmos um importante mercado exportador, não podemos nos isolar. Nossa política industrial deve estar alinhada com os padrões internacionais de eficiência energética, segurança e conectividade. Por exemplo, não adianta adiar regras de redução de emissão de poluentes, porque vai prejudicar nossa competitividade global. Também precisamos de acordos comerciais que abram novos mercados ao Brasil e abram nosso mercado para mais países, estimulando concorrência. Isso tem de ser feito gradativamente, para termos tempo de nos preparar.
Quem é
Stefan Ketter, de 57 anos, filho de alemães, nasceu em São Paulo. Estudou na Alemanha e é graduado em engenharia mecânica pela Universidade de Munique. Iniciou sua carreira na indústria automobilística em 1980, na BMW, e teve passagens pela Volkswagen e pela Audi.
Ingressou na Fiat em 2004, assumindo a área de qualidade, na sede da empresa em Turim (Itália). Ele assumiu a vice-presidência de manufatura em 2008 e reformulou fábricas da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) nos Estados Unidos e na Itália.
Retornou para o Brasil em 2013, para implementar a nova fábrica da marca no País, em Goiana (PE). Além de presidente da FCA na América Latina, cargo assumido em novembro do ano passado, Ketter mantém a posição de vice-presidente mundial de manufatura e é integrante do conselho do grupo. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva e Ricardo Grinbaum)