The Wall Street Journal
Um anúncio recente da MercedesBenz numa revista descreveu um novo sedã da montadora como “um carro autônomo de uma empresa muito autônoma”. Na televisão, outro anúncio da fabricante de automóveis de luxo, que pertence à Daimler AG, mostrou um protótipo de um carro autônomo em que os passageiros olhavam um para o outro, em vez de para a estrada, até o filme passar para a imagem do veículo atual, que tem funções limitadas de direção automática.
“O mundo está mesmo preparado para um veículo que pode dirigir a si mesmo?”, perguntava o narrador do comercial de televisão, acrescentando que o futuro havia chegado, com o mundo preparado ou não, e que um “carro conceitual já era realidade”.
Mas há um problema: o sedã EClass que os dois anúncios mostraram não é um carro autônomo. Ele possui tecnologias, como o Drive Pilot, que pode iniciar uma mudança de faixa ao ativar um sinal, e o Active Brake Assist, que alerta para uma colisão iminente e aciona automaticamente os freios, se o motorista não agir a tempo.
A MercedesBenz retirou o anúncio da televisão no fim de julho, em parte para “evitar qualquer possível confusão”, diz uma portavoz da empresa alemã. A decisão foi tomada logo após ativistas de defesa do consumidor terem escrito uma carta à Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos, reclamando que o comercial representava incorretamente um carro totalmente autônomo. A MercedesBenz já havia removido a referência a “carros autônomos” do anúncio impresso, depois da ocorrência de um acidente fatal em maio com um carro elétrico da americana Tesla Motors Inc. enquanto o motorista usava o sistema de piloto automático.
As montadoras que estão desenvolvendo funções de direção autônoma estão se deparando com receios de que estejam ignorando as limitações da tecnologia e transmitindo uma falsa sensação de segurança aos motoristas. Desde o acidente com o carro da Tesla, legisladores, ativistas e outros começaram a mirar na maneira como as fabricantes de automóveis vêm descrevendo seus sistemas de direção autônoma.
“Essas empresas estão numa corrida para lançar a tecnologia e mostrar que elas têm uma engenharia superior”, diz Mike Nelson, advogado do escritório Asbill & Brennan LLP especializado em litígios ligados a direção automática. Os fabricantes têm o dever de alertar sobre as limitações da tecnologia e estão expostos a leis contra anúncios enganosos, diz ele. “Há um grande potencial para maus usos e malentendidos”.
A “Consumer Reports”, publicação sem fins lucrativos que avalia vários tipos de produtos, afirmou recentemente que a Tesla deveria parar de chamar seu sistema de direção automática de “Autopilot” (piloto automático) porque a denominação é enganosa e potencialmente perigosa, uma vez que os veículos da empresa californiana não são totalmente autônomos.
A Tesla, que manteve o nome Autopilot e alerta os motoristas que o sistema não torna o veículo autônomo, afirmou que “está continuamente introduzindo melhorias, validadas por milhões de milhas de testes, para garantir que os motoristas usando o Autopilot continuem mais seguros” que aqueles dirigindo sem a ajuda do sistema.
Montadoras e reguladores afirmam que tecnologias como freios automáticos de emergência, controle adaptativo e direção assistida proporcionam mais segurança e potencial para reduzir o número de mortes no trânsito, que em 2015 ultrapassaram a marca de 35 mil nos EUA, a grande maioria devido a erros humanos.
Mas os motoristas continuam duvidando e manifestando um forte desejo de que os sistemas permitam a eles retomar o controle dos veículos, ao mesmo tempo em que pedem garantias de que as tecnologias são seguras, segundo a AlixPartners LLP, uma firma que presta consultorias a montadoras.
Alguns consumidores reconhecem terem confiado demais na tecnologia, apesar dos alertas sutis das fabricantes. Mas mesmo os sistemas mais avançados à mostra nos showrooms exigem que o motorista continue ativo ao volante, em vez de confiar todas as funções de direção a computadores.
A propaganda da MercedesBenz na TV já ia ser substituída de qualquer forma, mas a montadora cancelou o comercial mais cedo “dada a alegação que consumidores poderiam confundir a capacidade de direção autônoma do (…) carroconceito com os sistemas de direção assistida do nosso novo modelo EClass”, diz uma portavoz da empresa. A montadora sempre enfatizou que os motoristas devem se manter engajados, diz ela, acrescentando que o veículo não é autônomo “e não o estamos posicionando como tal”. (The Wall Street Journal/Mike Spector)