O Estado de S. Paulo/New York Times
Um carro a diesel testado pelo governo alemão emitiu mais de 12 vezes mais óxido de nitrogênio do que o permitido por lei. Outro apresentou resultados cinco vezes superiores e mais um automóvel, um número seis vezes superior.
Os carros não foram produzidos pela Volkswagen, a empresa que estava no centro de um enorme escândalo de poluição. Eram carros da Jeep, um sedã da General Motors e um da MercedesBenz.
Uma série de estudos realizados recentemente por governos e órgãos privados expôs o fato de que a Volkswagen está longe de ser a única a burlar os limites de poluição. Embora a empresa tenha manipulado de forma ilegal os resultados dos testes, as outras montadoras da Europa simplesmente tiraram vantagem de uma brecha na lei que permite que os automóveis aumentem a emissão sempre que há risco de dano ao motor o que em alguns carros ocorre praticamente o tempo todo.
Essas informações despertaram os europeus para o verdadeiro custo do diesel, com consequências terríveis para a reputação e as finanças da indústria automotiva. As empresas agora estão na defensiva em relação ao mercado de carros a diesel na Europa, à medida que grupos ambientalistas fazem lobby em favor de leis mais rígidas, as autoridades acossam executivos em audiências públicas e os políticos fazem campanha pelo fim de incentivos fiscais para combustíveis.
“Tratase apenas de quem está burlando de forma legal, e quem o faz de forma ilegal. Todas as empresas são ruins”, afirmou Ferdinand Dudenhoeffer, professor da Universidade de DuisburgEssen e especialista no setor automotivo.
Em uma tentativa de controlar os danos, o governo alemão fez uma proposta aos ministros do transporte da União Europeia para estreitar ainda que sem fechar completamente as brechas que permitem que as montadoras desativem o equipamento de controle de emissões para proteger o motor. As montadoras só poderiam tirar vantagem da exceção se já estivessem utilizando as melhores tecnologias de controle de emissões.
Ativistas em favor do meio ambiente reclamam há anos que os níveis de óxido de nitrogênio em cidades grandes como Roma, Paris ou Stuttgart são muito mais altos do que deveriam ser por causa das emissões geradas por automóveis a diesel, com efeitos graves sobre a saúde humana. Agora os ativistas estão se sentindo justiçados.
“Não é apenas fraude é um ataque físico”, afirmou Axel Friedrich, antigo funcionário do Umweltbundesamt, a agência de proteção ambiental do governo alemão. Friedrich é um dos fundadores do Conselho Internacional do Transporte Limpo, que encomendou os testes que expuseram as artimanhas da Volkswagen.
Limites mais rígidos às emissões e testes mais rigorosos estão sendo discutidos em Bruxelas e, em alguns casos, já foram aprovados e irão aumentar o custo dos carros com motor a diesel. Esse tipo de veículo produz muito mais óxidos de nitrogênio do que carros a gasolina e exigem mais equipamentos de controle e emissão.
Compradores de carros populares em busca de preços mais baixos podem chegar à conclusão de que não vale mais a pena pagar caro por carros a diesel. Se isso acontecer, empresas com a Fiat Chrysler, a Renault e a Volkswagen seriam as maiores afetadas. O lucro dos carros populares já é apertado.
“O maior desafio é o tratamento de emissões em carros pequenos, simplesmente por causa do custo”, afirmou Matthias Wissmann, exministro do transporte da Alemanha e atual presidente da Associação Alemã da Indústria Automotiva.
A fatia de mercado dos carros a diesel na Europa praticamente não mudou desde a revelação do escândalo da Volkswagen em setembro do ano passado. Mas existem alguns sinais de que os europeus já não preferem mais os carros a diesel.
A parcela de carros a diesel vendidos na Alemanha pela BMW, MercedesBenz e Volkswagen, incluindo Porsches e Audis, caiu três por cento nos primeiros quatro meses de 2016, em comparação com o mesmo período de 2015, de acordo com os números compilados por Dudenhoeffer. A Alemanha é o maior mercado desses carros no mundo e as montadoras do país são particularmente vulneráveis à desaceleração.
Na Europa, a Volkswagen foi a principal responsável por tornar os carros a diesel mais apropriados ao mercado de massa nos anos 1990. A empresa passou a produzir motores mais silenciosos e com menos odor desagradável que os antigos, sem deixar de oferecer melhor aceleração e ótima economia de combustível.
A Volkswagen utilizou o diesel como uma vantagem competitiva contra concorrentes como a Toyota, ou a Opel, da General Motors, que demoraram para investir em motores a diesel. “Ao longo dos anos a proporção do mercado mudou consideravelmente, especialmente com o retorno do diesel”, afirmou David J. Herman, antigo diretor da Opel.
Agora que o diesel está sob ataque, as montadoras alemãs estão sendo forçadas a dar mais ênfase aos veículos híbridos, uma tecnologia desenvolvida pela Toyota. A Volkswagen prometeu investir em tecnologias limpas como parte de um acordo legal nos EUA, embora o tamanho do investimento e outros detalhes ainda tenham de ser determinados.
A Volkswagen ainda é a empresa que mais foi afetada pelo escândalo do diesel. Ela foi a única a vender a ideia de “diesel limpo” nas campanhas de marketing dos EUA. Essa estratégia expôs a empresa a regulamentações e controles mais estritos por parte do governo norteamericano, além de expor a empresa a um sistema judicial mais habituado a julgar casos coletivos movidos por grupos de clientes.
Concorrentes como a Daimler, a GM e a Fiat Chrysler também vendem caros a diesel nos EUA, mas em quantidades muito inferiores. Entretanto, a Daimler, fabricante dos carros da MercedesBenz, também está enfrentando problemas com os órgãos de controle federais.
A empresa afirma estar realizando investigações internas em resposta a questionamentos do Departamento de Justiça sobre as emissões nos EUA.
Estudos recentes realizados pelos governos da Alemanha e do Reino Unido não encontraram provas de que outras montadoras além da Volkswagen tivessem equipado os veículos com softwares ilegais com o objetivo de burlar os testes de emissão.
As outras montadoras simplesmente tiraram vantagem das regras que permitem que os controles de emissão sejam reduzidos para proteger o motor sob determinadas circunstâncias, como temperaturas mais baixas. As montadoras argumentam que as temperaturas baixas podem levar à condensação e ao acúmulo de sujeira em componentes importantes do sistema de controle de emissões, levando a falhas.
De acordo com o estudo do governo alemão, no caso de um Jeep Cherokee vendido na Europa pela Fiat Chrysler, “temperaturas baixas” significam temperaturas de menos de 20 graus, que estão longe de serem frias de verdade.
A Opel e a Mercedes afirmaram que seus veículos estão de acordo com as regulamentações mas que, ainda assim, as empresas estão agindo para melhorar o desempenho dos equipamentos de controle de emissões.
O futuro promete mais problemas para as montadoras. Audiências a respeito de motores a diesel serão realizadas em breve no Parlamento Europeu. Na Alemanha, os partidos de oposição no parlamento estão criando um comitê especial com poderes para convocar autoridades governamentais e executivos de montadoras.
“Não se trata apenas da Volkswagen”, afirmou Oliver Krischer, vicechefe do Partido Verde no parlamento, um dos partidos que participou da criação do comitê. “Também vamos tratar da negligência no restante do setor automotivo”. (O Estado de S. Paulo/New York Times)