Turbo: a sobrepressão temporária e a potência efetiva

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Qual seria a explicação para potências e torques medidos em dinamômetro de carros turbo sempre serem maiores que os divulgados pelo fabricante? Por exemplo, o Volkswagen Up TSI com 105 cv divulgados apresentou mais de 130 cv no dinamômetro. O mesmo vale para o Golf GTI: a VW divulga 220 cv e medições mostram perto de 260 cv. Seria erro de dinamômetro?

 

A nosso ver, essas diferenças não estão relacionadas a erros de dinamômetro ou de condições de medições. Claro que há diferença entre equipamentos e modos de medição, como temperaturas do ar ambiente e do motor e pressão atmosférica. No caso de motor turboalimentado, elimina-se a influência da pressão atmosférica ou da altitude: ao contrário do motor de aspiração natural, a pressão em seu coletor de admissão com abertura total de borboleta é sempre a mesma, devido ao trabalho do turbocompressor, enquanto nos motores aspirados a pressão é a ambiente, que sofre variações. Em São Paulo, SP, por exemplo, um motor aspirado rende entre 13 e 19% menos potência que ao nível do mar por causa da menor pressão atmosférica em altitude maior.

 

Se não é o dinamômetro, o que pode ser? Nossa aposta: a maioria dos veículos turbo atuais usa a estratégia de aumento temporário da sobrepressão (overboost, em inglês), que produz um pico de pressão maior que o necessário para produzir o torque e a potência divulgados. O motivo é simples: quanto maior a pressão de atuação do turbo, maior a quantidade de ar que chega aos cilindros e, em consequência, mais combustível pode ser queimado, produzindo maiores potência e torque.

 

A controvérsia está no modo de medição da potência e do torque máximos que devem ser homologados. Na maioria dos países exige-se que o torque em determinada rotação (e portanto a potência, que é torque vezes rotação) seja medido em regime constante de rotação até que o valor se estabilize durante determinado tempo, o que inviabiliza o uso da sobrepressão temporária na medição.

 

Para exemplificar, suponha um motor turbo em dinamômetro de bancada sendo homologado. Programamos o dinamômetro para manter 2.000 rpm, não importando a condição. Então requisita-se o máximo torque por meio de um sinal igual ao pedal do acelerador a 100%: nesse momento estão sendo gravados todos os dados. Como a rotação é relativamente baixa, temos um intervalo de tempo até que o turbo chegue à pressão de trabalho requerida — o chamado retardo de ação do turbo ou turbo lag. Mesmo que leve 3 segundos para que isso ocorra, o que importa é o quanto torque o motor produz em regime constante, ou seja, por volta de 1 minuto de funcionamento.

 

Uma vez que o torque esteja estabilizado, usa-se tal valor como oficial para aquela rotação. É por isso que às vezes o fabricante divulga torque máximo a 1.500 rpm, por exemplo, mas ao se dirigir o carro há grande retardo nas respostas mesmo a 2.000 ou 2.500 rpm. Um turbo de pequenas dimensões e com grandes inércia e massa conseguiria produzir pressão máxima com apenas 1.500 rpm, mas levaria bastante tempo para atingi-la por causa da inércia.

 

E por que o fabricante não pode usar o torque máximo obtido com sobrepressão temporária? Porque é fácil produzir alto torque em um curto intervalo de tempo, mas difícil manter esse torque sem criar outros problemas — ou mesmo risco de quebras — por atingir temperaturas excessivas para pistões, válvulas de escapamento, catalisadores e outros elementos.

 

No passado, quando as pressões de trabalho do turbo eram controladas por sistemas mecânicos, usava-se igual pressão em qualquer condição. Hoje, com a eletrônica, consegue-se trabalhar com determinada pressão e ajustá-la conforme a condição, com aumento (mesmo que momentâneo) para elevar o desempenho e, sobretudo, obter maior sensação de potência. Ou seja, oficialmente o motor tem certos torque e potência, mas pode ter um “extra” na manga.

 

Voltando ao exemplo didático anterior, digamos que o turbo leve 3 s para atingir a pressão possível com a sobrepressão temporária, mas após 20 s a pressão seja reduzida para garantir níveis seguros de temperatura. Como o torque divulgado e homologado é aquele que se pode obter em longos períodos, o valor obtido naquele breve período não pode ser considerado.

 

Nada impede, porém, que o ganho seja informado em paralelo aos dados oficiais. Como exemplo, com sobrepressão temporária o motor do Ford Focus ST (cujas curvas aparecem no gráfico a seguir, com torque em libras-pé, padrão nos Estados Unidos) eleva seu torque em até 7,4% na faixa entre 3.000 e 4.500 rpm, embora não afete o valor máximo, obtido a 2.500 rpm. Em outros casos eleva-se o torque máximo e até a potência: o novo Ford Fiesta ST 200 passa de 200 cv e 29,6 m.kgf para 215 cv e 32,6 m.kgf, o DS3 ganha 2 m.kgf sobre os 24,5 m.kgf e o Porsche Panamera Turbo S passa de 76,5 para 81,6 m.kgf.

 

A estratégia da sobrepressão temporária é interessante para se tirar o máximo que o motor pode dar em qualquer condição. Para longos períodos em velocidade máxima numa Autobahn ou subindo uma serra com o pé “embaixo”, opta-se pela pressão de trabalho que mantenha as temperaturas dos componentes em níveis seguros. Mas em uma ultrapassagem apertada, por que não liberar um pouco mais de pressão e obter torque adicional, já que não haverá problema de durabilidade?

 

O curioso é que poucos fabricantes divulgam esse artifício, mesmo sendo uma vantagem à imagem do veículo. A Volkswagen, por exemplo, nada menciona sobre sobrepressão temporária para os motores do Up e do Golf citados. Talvez a omissão tenha o mesmo motivo pelo qual alguns fabricantes não divulgavam números de consumo, apesar de medi-los para homologação: buscavam evitar contestação judicial pelos consumidores que não conseguissem atingir aqueles valores.

 

O recurso não está restrito a motores turbo. Na Austrália a Ford produz o Falcon V8 com compressor, que usa uma válvula para regular a pressão de superalimentação. Em condições normais o motor produz 469 cv e 58,7 m.kgf, mas com sobrepressão temporária chega a até 544 cv e 66,3 m.kgf durante 10 s na versão de transmissão manual (voltando a contagem a zero toda vez que se troca de marcha) ou 20 s com caixa automática. Parece pouco tempo, mas com toda essa potência se passa facilmente de 200 km/h em 20 s ou usando todas as marchas por até 10 s cada.

 

Detalhe importante dessa divulgação é o “até”: o fabricante deixa claro que só se conseguem tais números com temperatura ambiente menor que 16°C e usando gasolina com mínimo de 98 octanas RON. Ou seja, o motor do Falcon tenta buscar seu máximo desempenho, otimizando a curva de avanço de ignição junto com a pressão de superalimentação. Contudo, caso a central perceba detonação (pela alta temperatura ou uso de combustível de baixa octanagem) ou a temperatura dos gases de escapamento esteja a ponto de atingir o limite para não derreter o catalisador, entre outras variáveis, haverá uma redução de pressão.

 

Por isso, mesmo que o fabricante seja omisso a respeito, não se devem subestimar os veículos turbo atuais: não se sabe exatamente quanta potência e torque ele obtém em cada condição. Há histórias famosas de Up TSi (105 cv divulgados com álcool) andando mais rápido que Honda Civic VTI 1,6 (160 cv) em competições legalizadas em São Paulo. Só pela altitude o Civic já cai a cerca de 135 cv, enquanto o Up chegaria a 130 cv com sobrepressão temporária, de acordo com algumas medições. Considere a diferença de peso e a resposta para qual ganhará está respondida antes mesmo de a corrida acontecer. (BestCars/Felipe Hoffmann)