“Se crise fosse em 2014, ABS e airbag não seriam obrigatórios”

Carpress

 

Desde 2014 são obrigatórios dois itens de segurança nos automóveis: sistema ABS (antitravamento) nos freios e airbag (bolsas infláveis que amenizam os danos em uma batida). Se estivéssemos vivendo há pouco mais de dois anos a crise que assola o Brasil hoje, talvez esses dispositivos não fossem obrigatórios.

 

A opinião é do engenheiro Jessé Paegle, diretor da JWP Engineering & Consulting e associado da SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade). Quarta e quinta (8 e 9), o executivo organizará o simpósio SAE Brasil CarBody 2016, evento que acontece pelo terceiro ano consecutivo.

 

Segundo ele, os custos de instalar mais dispositivos de segurança hoje poderiam ser vistos pelos fabricantes como algo que prejudicaria ainda mais as vendas, uma vez que os custos teriam de ser repassados aos clientes, encarecendo ainda mais os automóveis.

 

“Com o cenário de crise, não teríamos airbag e ABS aprovados, assim como vamos amargar uma demora no Inovar-Auto e na adequação a requisitos de segurança das Nações Unidas no que se refere a crash-testes”, afirma.

 

O simpósio vai reunir no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) executivos de oito empresas – Fiat, Ford, General Motors, Honda, Mercedes-Benz, PSA Peugeot Citroën, Renault e Volkswagen – e representantes de diversos setores da indústria automobilística, como fornecedores e indústrias de transformação

 

Após a abertura feita por Paegle, falarão João Henrique Corrêa de Souza, do grupo de estampagem do Rio Grande do Sul, às 8h50, sobre “Os desafios da estampagem dos aços de alta resistência das novas estruturas veiculares”, e Valter Pieraccini, da Pieraccini Desenvolvimento de Empresas, às 9h20, sobre “A evolução da área de pesquisa e desenvolvimento”.

 

Em seguida começam as apresentações das fabricantes, que devem revelar e compartilhar com os participantes o que estão fazendo para tornar as células de sobrevivência mais seguras para eliminar os danos causados por acidentes.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde, ocorrem cerca de 1,3 milhão de mortes no trânsito anualmente em todo o mundo, sendo apenas 10% delas nos países desenvolvidos. “Isso não é por acaso”, diz Paegle.

 

A primeira empresa a falar é a Honda, às 9h50, seguida da Volkswagen, às 11h20, da Fiat, às 14h20, e da Mercedes-Benz, às 15h50. Uma hora depois, Plinio Cabral Jr., da GM e diretor da SAE Brasil, encerra o primeiro dia do encontro. Na quinta o simpósio terá as participações de PSA, GM, Ford e Renault.

 

O encontro será encerrado com a palestra de Alejandro Furas, secretário-geral da Latin NCAP, programa responsável pela realização dos crash-tests, que avaliam a segurança dos carros produzidos na região).

 

A seguir, a entrevista que Paegle concedeu ao Carpress.

 

Carpress – As fabricantes estão abrindo a “caixa preta” de seu carbody? Por que isso está acontecendo?

Jessé Paegle – Foi uma questão de sensibilização. O que acontece? Elas sempre tiveram dados e procuraram outros nas concorrentes. O que faltava era um catalisador, alguém que mostrasse a eles que esse processo de abertura de tecnologia não feriria a estratégia da empresa e sim traria benefícios para todo mundo. Foi uma questão de conseguir mostrar a eles o ganha-ganha do negócio, de conscientização. Não é que acordaram e resolveram mostrar para todo mundo. Simplesmente perguntaram: por que não?

 

O Brasil está muito atrás em termos de estrutura veicular? Ou já conseguimos fabricar carros em sintonia com os países desenvolvidos?

Hoje o que a gente tem no portfólio das montadoras brasileiras é um descompasso entre modelos mais antigos e mais novos. Os lançados hoje, com novas plataformas, já trazem conceito diferente e estrutura veicular próximos ou iguais aos que existem lá fora. Como nosso parque automotivo sofre com os percalços econômicos, isso acaba demorando. Mas novas plataformas vão trazer um importante aporte de investimentos.

 

Na sua opinião, com o atual cenário de crise, caso a obrigatoriedade de ABS e airbag fosse hoje, ela talvez não passasse, por significar maior custo?

O Brasil sempre foi muito reticente, sempre houve uma inércia muito grande. Com o cenário como está, não teríamos airbag e ABS aprovados, assim como vamos ter demora no Inovar-Auto e adequação aos requisitos de segurança das Nações Unidas para crash-tests. Vamos amargar mais um período de atraso.

 

Como explicar o número de 1,3 milhão de mortes por ano de acidentes de carro, sendo só 10% nos países desenvolvidos?

É alarmante. Atribuir à estrutura do veículo seria leviano. Você tem as condições das ruas, pistas, autopistas, o conjunto da obra, o despreparo dos motoristas. É uma questão de respeito às regras de trânsito ou simplesmente de regras pessimamente estabelecidas.

 

É verdade que, estruturalmente, o mesmo fabricante pode desenvolver um veículo de maior ou menos qualidade de acordo com o mercado em que ele será ofertado?

Isso é verdade, mas eu diria que não é exclusivamente uma questão de fabricar com adequação ao mercado. Mas onde não tem regulamentação, você pode deixar de usar um artifício que vai encarecer o custo de fabricação.

 

Tem também outro fator importante nessa história, que é o estabelecimento da cadeia produtiva. Se eu não tenho disponibilidade local e regulamentação, vou pelo caminho mais favorável e faço minhas adaptações aqui e ali.

 

Gostaria que o sr. comentasse o fato de que, com a atual crise, as montadoras estarem perdendo corpo técnico e não apenas profissionais da produção.

Isso para mim é o mais preocupante, porque adequar a produção é uma coisa que é normal em uma indústria, de acordo com a demanda. Outra coisa é perder corpo técnico para o futuro. Aí você tem uma perda que não é exclusivamente agora.

 

Perder mão de obra de engenharia, como está acontecendo nesta crise, amanhã você não recupera mais. Não é assim que funciona. Tem toda uma expertise e know-how que se perde e aí para recompor isso é quase uma geração. Nesse aspecto, nunca vi uma crise com essa profundidade.

 

O sr. poderia nos adiantar o que o simpósio SAE Brasil Carbody 2016 vai discutir de mais relevante para o setor?

Nesse contexto desfavorável, o fato de você conseguir juntar todas as montadoras no Brasil para discutir novas tecnologias dos futuros modelos a ser produzidos no Brasil é realmente louvável. A gente vai discutir a tendência das novas estruturas veiculares daqui pra frente, da célula de sobrevivência dos veículos. Esse é o mote do evento. (Carpress/Luís Perez)