Os números da crise

O Estado de S. Paulo

 

Os números que mostram os problemas da indústria automobilística, cuja produção no primeiro trimestre encolheu para o nível registrado há 13 anos, dão também a dimensão da profunda crise que afeta a indústria de transformação instalada no País. Por sua duração e extensão, essa crise já fez o Brasil alcançar a condição de país com os piores indicadores do setor entre as 37 economias nacionais cujo desempenho é acompanhado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mesmo países que, no período abrangido pela pesquisa da OCDE (de 2010 a 2015), tiveram graves problemas econômicos, como Grécia e Espanha, têm resultado acumulado melhor do que o do Brasil.

 

Por qualquer ângulo que se examinem o desempenho das montadoras e a evolução do mercado de veículos no País, a conclusão é desalentadora. Com a produção de 482,3 mil unidades nos três primeiros meses do ano, a indústria automobilística apresentou o pior resultado desde 2003. O volume produzido neste ano é 27,8% menor do que o do primeiro trimestre de 2015. Mesmo assim, os pátios das montadoras abrigam 259 mil veículos. No ritmo atual das vendas, é suficiente para atender o mercado durante 43 dias.

 

Algumas montadoras estenderam o feriado do carnaval para adaptar a produção à demanda, outras mantêm programas de afastamento temporário de trabalhadores. Nem assim, porém, está sendo possível evitar as demissões. Em março, foram fechadas 1.385 vagas. Em 12 meses, foram demitidos 11,1 mil trabalhadores. O número de empregados em março é 8,8% menor do que o de março de 2015.

 

Não há nenhum indício de melhora nos próximos meses. Quando muito, a tendência de aumento do prazo de financiamento de bens de consumo duráveis pode atenuar a tendência de queda das vendas, que, no trimestre, encolheram 28,6% em relação às dos primeiros três meses de 2015. A fraqueza do mercado de trabalho, decorrente do desemprego e da corrosão da renda real dos brasileiros, a perda da confiança dos consumidores e dos investidores, entre outros fatores negativos, mostram que a saída não está próxima.

 

Os números divulgados pela associação das montadoras, a Anfavea, juntam­se a outros talvez não tão dramáticos anunciados por outras instituições ligadas às indústrias, mas que igualmente comprovam a extensão e a gravidade dos problemas do setor manufatureiro. O que esses números não expressam, mas certamente sugerem, é que o problema se estende para além das paredes das fábricas.

 

O fechamento dos postos de trabalho na indústria de transformação, além de agravar o problema social decorrente do desemprego que se observa em todos os setores da economia e tornar ainda mais preocupante a queda da demanda que realimenta a crise, implica uma significativa perda de qualidade do mercado de trabalho. Empregos industriais exigem melhor qualificação de seus titulares, capazes de apresentar desempenho de rendimento mais alto do que a média do mercado e aptos a apreender técnicas e entender processos que contribuem para melhorar a eficiência produtiva. São, por isso, empregos que oferecem remuneração mais alta, mas podem assegurar ganhos mais rápidos de produtividade.

 

Com as seguidas reduções de produção, era natural que os planos de investimentos em expansão também fossem cortados. O risco, para a economia brasileira, é o de a extensão da crise que afeta duramente a indústria de transformação ter levado também ao corte de investimento em atualização e modernização de máquinas e de processos produtivos ou ao abandono desses projetos.

 

Dependendo da intensidade desses cortes, a recuperação da competitividade da indústria será bem mais lenta do que a da produção.

 

Trata­se, por isso, de uma crise que não se resolverá apenas com a retomada do crescimento, embora esta seja condição essencial para  possibilitar outras soluções. E, sem solução da crise política e moral que paralisa o País, nada avançará. (O Estado de S. Paulo)