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Íntimo e universal. Imagem: Jean Viduolis

Rodrigo Campos é um moço jovem, mas parece que tem alma de gente antiga. Com os olhos (e ouvidos) bem abertos para o que acontece ao seu redor, gravou um disco repleto de histórias do cotidiano do bairro São Matheus, em São Paulo. Nem sempre os personagens são fictícios. As melodias surgem como mágica para emoldurar as mais simples (e complexas) histórias deste paulistano, que faz samba sobre os tropeços, engasgos, amores e despedidas.

Como e quando a música entrou na sua vida? 

Na rua de casa, em São Mateus, rolava um samba, num bar. Ficava encantado com aquilo. Aos poucos fui me aproximando dos caras, mais velhos que eu, e descobri uns meninos da minha idade, primos dos batuqueiros, que também ficavam sempre em volta do samba. Ficamos bem amigos, e depois da roda dos mais velhos íamos para uma pracinha, nas redondezas, e fazíamos o nosso samba, também, de balde, latinha e panela, tentando imitar o que acabáramos de ouvir.

Fale um pouco sobre o bairro de São Mateus (zona leste da cidade de São Paulo). Desde quando você mora nele? Como ele se tornou o centro lírico do disco?

Morei em São Mateus dos 3 aos 24 anos. Só depois de me mudar é que comecei a compor sobre o tema. Além de tudo, foi um jeito de matar a saudade e trabalhar algumas lembranças.

São Mateus é um bairro típico da periferia de São Paulo, com todos os problemas e, não obstante, com todas as belezas de sua condição social e geográfica. O convívio social, a cultura e o esporte são coisas que acontecem de maneira muito espontânea, como em nenhum outro lugar, segundo minha experiência. Essa espontaneidade gera um tipo de criatividade inusitado, que surpreende, e reverbera, cedo ou tarde, na cidade inteira. Isso em qualquer periferia, de qualquer cidade do mundo.

São Mateus como tema do disco, passa mais por uma memória afetiva do que por questões sociais e geográficas. Quis falar de mim, da minha família, dos meus amigos. Só. Mas falar de sua vida, necessariamente, inclui falar de seu meio, contextualizar, pois todas as emoções envolvidas trazem as tensões do lugar.

Veia de contador de histórias. Imagem: Ariel Martini
Veia de contador de histórias.
Imagem: Ariel Martini

As letras de São Mateus não é um Lugar tão Longe Assim contam estórias de diversos personagens do bairro, mas fugindo dos estereótipos de fome e violência, tão comuns quando se fala de bairros pobres. Por que você acha que isso acontece?

Tenho a sensação de que acontece pelo fato de eu querer falar de mim, tendo o bairro como cenário. As histórias se importam mais com o humano do que com o fetiche.

E alguns desses personagens existem realmente, ou são todos puramente ficcionais?

Todos existem. Mas em algumas canções parto do fato pra chegar numa ficção. Em outras fico só no fato.

De onde vem essa sua veia de contador de estórias? Você se inspira em outros compositores, ou os relatos são de caráter confessional?

Ouvi diversos compositores, todos os mais sagrados da música brasileira, mas acho que essa veia vem do cinema, do olhar, da observação…

O nome do disco, as letras e até mesmo seu endereço no MySpace: tudo parece remeter a São Mateus. Você não acha que, futuramente, isso pode acabar limitando suas possibilidades artísticas?

Acho que sim…(risos)

O seu samba é diferente do que geralmente se ouve nos artistas cariocas. Na verdade, ele lembra mais os pernambucanos do Mundo Livre S.A, por exemplo. Para além das letras, como você acha que o fator geográfico influencia nas suas composições?

Em São Paulo agregamos valores do Brasil todo. Fora isso tem aquela tristezinha paulistana, aquela solidão no meio da multidão. Somos diferentes, na nossa tristeza e antropofagia, e isso fica evidente num trabalho que busque identidade.

A produção do disco – muito boa, por sinal – é de Beto Villares, nome de prestígio na cena alternativa nacional. Como surgiu essa parceria, e como foi trabalhar com ele?

Fui tocar cavaco no primeiro disco da Céu e conheci o Beto. Mantivemos contato, e uns dois anos depois propus o disco, mostrei as músicas… Durante o processo nos tornamos grandes amigos. É umas das pessoas que mais respeito na música brasileira hoje.

Você cita muitos escritores como influência. Dentre eles estão Gabriel García Márquez, Milton Hatoum e Érico Veríssimo. Todos eles têm em comum o fato de possuírem certo caráter regionalista mas, ainda assim, alcançarem a universalidade através da expressão de sentimentos. Você acha que sua música vai por esse mesmo caminho? Se sim, é proposital?

Acho que sim, e não é proposital. Apenas procuro falar das coisas que estão mais próximas, que são mais caras a mim. Não procurei uma receita. Mas me sinto profundamente tocado pelos escritores acima.

A sonoridade de sua música mescla samba de raiz, pagode, um pouco de jazz e algumas doses de música eletrônica. Como é para você trabalhar combinando esses diversos elementos musicais?

É só não pensar nisso. Ir fazendo. No final aparece tudo, ou não (risos).

Com parte da banda: Douglas, Rodrigo e Qai-fi. Imagem: Ding Musa
Com parte da banda: Douglas, Rodrigo e Qai-fi.
Imagem: Ding Musa

E o cinema, como ele influi em seu trabalho? Que diretores e filmes você mais gosta, tanto no cinema internacional quanto no brasileiro?

O cinema é meu ópio. Acho que deveria ter sido cineasta, mas aí comprei um cavaco (risos). Acredito que a estética do meu disco tem muito de cinema. Quis contar a história toda, me aprofundar, como num filme. Inclusive os produtores são grandes compositores de cinema, fizeram trilhas para as canções.
Gosto de falar de filmes, mais do que de diretores. E gosto mais de falar de filmes que me marcaram do que, necessariamente, aqueles que me derem prazer de ver; A última sessão de cinema, La estrada, Cidade de Deus, Fitzcarraldo, Pequeno Italiano, Os girassóis da Rússia, O cheiro do ralo, Manderley, Era uma vez na América, Anônimo Veneziano, Central do Brasil e Cidade Baixa são alguns.

O que você acredita ser necessário para se destacar no cenário independente brasileiro e, consequentemente, atingir um público maior?
Não tenho a menor idéia (risos).

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