O Estado de S. Paulo
Um dia depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, formalizar a imposição de tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio do país, ministros sinalizaram ontem a disposição do governo brasileiro de evitar a adoção de contramedidas e tentar avançar numa negociação com autoridades americanas. Em 2024, o Brasil foi o segundo maior fornecedor de aço para os EUA, atrás apenas do Canadá. Ainda não houve um pronunciamento oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Guerra comercial não faz bem para ninguém. O Brasil não estimula e não entrará em nenhuma guerra comercial”, disse o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. “Um dos avanços importantes dos últimos anos foi exatamente constituir um instrumento de diálogo entre os países e o reforço do livre comércio.”
A declaração foi dada pela manhã, em Brasília, depois da abertura de encontro de prefeitos. No fim do dia, foi a vez de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçar a indicação de cautela em relação a uma eventual reação mais firme do governo brasileiro.
Haddad disse que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) está organizando as informações sobre o tema para apresentá-las ao presidente Lula a e que é preciso conhecer a “minúcia” do anúncio de taxação. O novo sistema de taxação só entrará em vigor em 12 de março.
O ministro defendeu, contudo, que a linha brasileira é a mesma proposta na presidência do G-20, em que o País defendeu uma “globalização sustentável”. “Nós estamos imaginando voltar para a mesa de negociação com propostas nessa direção”, disse Haddad, ao citar a avaliação de que medidas unilaterais como as tomadas pelos EUA são contraproducentes para a melhoria da economia global.
Ele também mencionou que o tarifaço não atinge só o Brasil e que é preciso acompanhar as reações de países como México, Canadá e China. Ele lembrou ainda que, em 2018, no primeiro mandato de Trump, os EUA recuaram de impor a mesma sobretaxa sobre o aço brasileiro ao aceitarem um sistema de cotas. “Então, por isso, o Mdic está fazendo essa avaliação, para levar para o presidente o quadro geral, e nós vamos avaliar conjuntamente.”
Analistas ouvidos pelo Estadão afirmam que o governo brasileiro deveria privilegiar a abertura de negociação com os EUA. Para Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Londres e Washington, o momento pede movimentos com “pragmatismo” e “sem ideologia” ( mais informações na pág. B4).
Articulação
Sob o impacto da decisão do presidente americano, a indústria siderúrgica brasileira começou a se articular para buscar formas de enfrentar os efeitos das medidas. Representantes do Instituto Aço Brasil foram ontem a Brasília, onde tiveram reuniões com técnicos da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ambos ligados ao Mdic. Aconteceu também um encontro no Ministério de Relações Exteriores (MRE), conforme apurou o Estadão com uma pessoa ligada ao instituto, que representa as fabricantes de aço no País.
A tarifa de 25% deve atingir, principalmente, as exportações brasileiras de material semiacabado (placas e tarugos), que representam quase 90% das vendas. Esse item é adquirido por empresas locais que não fabricam placas para transformá-las em produtos acabados voltados para diversos setores industriais do país.
Entre as siderúrgicas que atuam no Brasil, as mais atingidas pelas medidas de Trump são as fabricantes de placas ArcelorMittal, com duas unidades fabris no País, e a Ternium, no Rio de Janeiro. O caso da companhia do empresário indiano Lakshmi Mittal é mais crítico: as unidades brasileiras abastecem 100% das necessidades da laminadora que o grupo, com a Nippon Steel, opera no Estado de Alabama. São 5 milhões de toneladas por ano que vão para essa planta, chamada Calvert.
Oficialmente, em nota, o Instituto Aço Brasil afirmou que as empresas do setor estão confiantes na abertura de diálogo entre os governos para restabelecer o fluxo de produtos de aço para o mercado americano nas bases acordadas em 2018. Por esse sistema, o Brasil manteria cota de exportação de 3,5 milhões de toneladas ao ano de placas isentas de impostos. Somando aços acabados, o total chega a 4,2 milhões de toneladas. “Estados Unidos e Brasil detêm parceria comercial de longa data, que vem sendo, historicamente, favorável ao primeiro”, afirmou a entidade. •
Como embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, Rubens Barbosa liderou a primeira das negociações do País para evitar que o aço exportado fosse taxado pelos Estados Unidos. A ameaça retornou depois, em outros governos, como foi na primeira gestão de Donald Trump, em 2018, e agora, no início do seu novo mandato.
A partir da experiência anterior e dos sinais que Trump vem dando, a melhor estratégia, para Barbosa, é seguir como o governo vem fazendo: “O Brasil tem de ir devagar e não reagir politicamente; não tem cacife (para isso)”.
O Brasil terá a oportunidade de negociar para que as tarifas anunciadas por Trump para importações do aço e alumínio nos EUA não se apliquem ao País?
Em 2002, quando eu estava em Washington, pela primeira vez colocaram tarifas para aço e alumínio, por causa desse problema de proteção da indústria americana. O Brasil é o segundo maior fornecedor de aço especial, de aço plano, beneficiado nos EUA. As empresas de lá dependem do Brasil. Então, temos de conversar com as empresas, como aconteceu em 2002, em 2018 e deve ser agora.
Será mais eficiente, agora, negociar do que aplicar reciprocidade, como se falou que o governo brasileiro poderia fazer?
Não adianta ameaçar retaliar. O governo está fazendo o certo, esperando para conversar e negociar. E isso não deve ser só com o governo, mas também com as empresas americanas, como as de automóvel e de aparelhos de linha branca. O Brasil supre diretamente esse mercado com aço. Eles terão interesse de que exista algum tipo de cota sem taxação e de isenção. Mas tudo isso tem de ser negociado. Não pode ficar falando pela imprensa. O importante é negociar diretamente e discretamente.
As indústrias americanas que importam aço brasileiro podem ser prejudicadas pela taxação, e repassar aumentos de custos?
Essas medidas que o Trump tem defendido serão negativas para o mercado americano. As empresas vão ter de pagar 25% de acréscimo no preço de compra dos insumos. Mesmo que parte da produção possa ser substituída por fornecimento interno, ninguém vai criar uma empresa agora. A Gerdau está produzindo lá, e vai até se beneficiar, porque o preço vai subir nos EUA e vão vender mais, mas outras, como a ArcelorMittal, precisam exportar. E não é uma discriminação contra o Brasil. É uma discriminação geral.
Há caminhos para uma abordagem pragmática, para evitar que o Brasil seja prejudicado?
Não se pode criar marola em torno disso. Tem de ficar tranquilo, sem radicalização, sem ideologia, e com pragmatismo. O governo vai buscar canais na área comercial do governo americano, e está abrindo negociação.
A retaliação não deve ser discutida no momento, então? O ideal é ficar quieto e não se meter no que não diz respeito ao Brasil. Chegou a sair a história de que o Brasil poderia retaliar as medidas do Trump. Mas o governo não deve discutir nada por princípio. Precisa ver se afeta o interesse brasileiro. O Brasil tem de ir devagar e não reagir politicamente; não tem cacife ( para isso). Temos um comércio exterior de US$ 600 bilhões, que pode crescer, e muitos interesses a preservar. (O Estado de S. Paulo/Caio Spechoto, Amanda Pupo e Ivo Ribeiro)