AutoIndústria
O mercado brasileiro de automóveis de passeio nunca teve vendas tão concentradas em tão poucos segmentos. Das cerca de 1,95 milhão de unidades licenciadas em 2024, utilitários esportivos e hatches pequenos representaram quase 1,5 milhão.
As duas categorias responderam, respectivamente, por 939,3 mil e 556,5 mil unidades, 48,2% e 28,6% dos emplacamentos.
A somatória de 76,8% é 19 pontos porcentuais maior do que em 2018, quando os SUVs ainda não lideravam o mercado e tinham a “modesta” fatia de 24,4% — a liderança veio somente em 2020. Há seis anos, portanto, a participação somada só vem aumentando.
O salto mais significativo, é verdade, ocorreu em 2023, quando os hatches pequenos chegaram a 27,6% ante 22,2% em 2022, em boa medida impulsionados pelo então programa emergencial de incentivo do governo federal de carros de até R$ 120 mil e que permitiu a transferência de créditos tributários para descontos ao consumidor.
Em contrapartida, as outras dez categorias de carros de passeio elencadas pela Fenabrave tem cada vez menos relevância nas vendas internas. Somaram ao redor de 450 mil automóveis em 2024— menos até do que as 475 mil picapes negociadas.
E ainda assim somente a metade alcançou mais de 1% de participação, com os sedãs compactos mais bem posicionados, módicos 7,3% dos emplacamentos, seguidos pelos chamados veículos de entrada, cuja participação limitou-se a 6,4%.
O abismo para os segmentos líderes, assim, só tem se acentuado. Um ano antes, sedãs compactos e carros de entrada haviam representado, cada um, 8,3% dos licenciamentos.
Um quadro absolutamente diferente do que há 20 anos. Em 2004, 76% das vendas estavam distribuídos entre os quatro maiores segmentos, com os modelos de entrada respondendo por 46% dos licenciamentos, sedans pequenos e hatches pequenos por 12,5% cada e os hatches médios, por 5%. Das 13 categorias listadas pela Fenabrave então, dez tinham mais de 2% das vendas.
O panorama de uma década atrás era bastante similar nas proporções. Para chegar ao mesmo patamar de 2024 da dupla SUVs-hatches pequenos, era necessário somar os emplacamentos dos quatro maiores segmentos.
As opções de entrada e hatches pequenos representavam perto de 25% cada, sedãs pequenos, 17%, e os SUVs já com mais de 10%. Das mesmas 13 categorias, oito respondiam por mais de 3,5% dos emplacamentos.
Essa distribuição mais pulverizada entre vários segmentos não tende a voltar tão cedo, a julgar pela visão de Cássio Pagliarini, da Bright Consulting. Ele recorda que de 2013 para cá algo como 1,1 milhão de consumidores saíram do mercado de carros novos rumo ao de seminovos.
A absoluta maioria de compradores dos modelos mais acessíveis, que deixaram de ser atrativos por conta da elevação dos preços gerada pela obrigatória adoção, dentre outros, de sistemas como airbags, freios ABS e controle de estabilidade ao longo desse período.
“O impacto desses custos adicionais é sensivelmente maior em produtos mais baratos. As arquiteturas de modelos como Fiat Uno ou Volkswagen Gol, por exemplo, não comportavam essas inovações e por isso saíram de linha”, recorda Pagliarini.
Com a fuga dos compradores dos modelos mais em conta, as montadoras viram em produtos de maior valor agregado a alternativa para manter a rentabilidade média. Os atuais hatches pequenos e SUVs têm muito mais a oferecer — e cobrar — em conteúdo do que seus equivalentes de cinco ou dez anos atrás.
O Proconve L8, que começou este ano e se estende até 2031, também terá efeitos sobre os custos da grande maioria dos veículos ao demandar soluções e tecnologias capazes de reduzir substancialmente as emissões de gases poluentes, mesmo que a análise seja pela média das frotas negociadas.
Serão cada vez mais frequentes os desaparecimentos de versões, configurações técnicas e até de motores para que as montadoras atendam os novos limites de emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), material particulado (PM), monóxido de carbono (CO) e gases orgânicos não metanos (NMOG).
Se a partir de 2025 o limite é de 50 mg/km, será de 40 mg/km em 2027 e apenas 30 mg/km a partir de 2029 — cabe o registro de que no caso dos comerciais leves a queda será ainda mais drástica: dos atuais 140 mg/km para os mesmos 30 mg/km em 2031.
Por conta disso, Pagliarini vê uma corrida das montadoras pela busca de soluções o mais rapidamente possível e, claro, custos maiores.
Um cenário desenhado pela Bright mostra que já em 2027 perto de 40% dos veículos vendidos no Brasil serão dotados de hibridização leve, 70% contarão com turbo e 75% com injeção direta.
Há apenas dois anos esses índices eram, respectivamente, de 0,4%, 44% e 29%. (AutoIndústria/George Guimarães)