O Estado de S. Paulo
Maior emissora de gases poluentes na indústria, a siderurgia depende de investimentos bilionários e do desenvolvimento de novas tecnologias para cortar suas emissões. Ainda assim, medidas neste sentido são vitais para que países cumpram suas metas de poluir menos e para que o setor possa continuar exportando para destinos que têm pressionado pela descarbonização da economia, caso da União Europeia. Só no Brasil, o custo estimado para atingir a neutralidade nas emissões de gases do efeito estufa no setor é de R$ 180 bilhões até 2050, o que geraria um custo extra de US$ 100 (R$ 611) para cada tonelada do produto final, segundo o Instituto Aço Brasil. Enquanto isso, a China, responsável por mais da metade do aço bruto produzido no mundo, adiou para 2060 seu plano de neutralização de emissões.
Maior emissora de gases poluentes entre os segmentos da indústria, a siderurgia está diante de uma encruzilhada – sobretudo no Brasil – para cortar suas emissões. Por ora, as alternativas existentes são praticamente inviáveis financeiramente e ainda dependem de novos desenvolvimentos tecnológicos. Mesmo assim, precisarão ser adotadas para os países conseguirem cumprir suas metas de redução de emissões e para o setor poder exportar para os destinos que mais têm pressionado pela descarbonização da economia, como a União Europeia.
O mundo produz 2 bilhões de toneladas de aço bruto por ano, e mais da metade desse volume sai de altos-fornos de usinas chinesas. A média global de emissão é de quase duas toneladas de gases para cada tonelada de aço. No Brasil, está em 1,7 tonelada.
Só no caso do Brasil, o desembolso para atingir a neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa até 2050 é estimado em R$ 180 bilhões, conforme projeção de consultoria internacional contratada pelo Instituto Aço Brasil. Cristina Yuan, diretora de assuntos institucionais da entidade, diz que o valor previsto vai gerar um custo extra de US$ 100 (R$ 611) para cada tonelada de produto final. A grande questão, afirma a executiva, é se haverá disposição do consumidor em absorver esse valor adicional.
Diante dos altos custos para descarbonizar o setor, países da Europa concederam, apenas em dois anos, 10,5 bilhões de euros (R$ 65,6 bilhões) em subsídios para reduzir emissões de CO2 da siderurgia na região. Todavia, o bloco econômico representa apenas 7% da produção mundial de aço (136 milhões de toneladas). A região tem atuação em várias frentes: mercado de carbono, criação do CBAM (mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, que taxa bens importados) e fundos de inovação.
Alguns fabricantes de produtos de alto valor agregado, como montadoras de automóveis europeias, já se mostram dispostos a pagar mais pelo “aço verde”. Na Europa, o polo de descarbonização é direcionado principalmente ao setor automotivo.
Fica a dúvida sobre outros consumidores, de aços de menor valor agregado, como a construção civil. O grande problema está na Índia, no Sudeste Asiático e na América Latina, afirma Germano Mendes de Paula, da Universidade Federal de Uberlândia. “A conta não fecha. É muito dinheiro para a indústria, em diferentes níveis, arcar sozinha.”
Cristina, do Aço Brasil, aponta outra questão: se justifica o setor fazer esse esforço enquanto aço com alta geração de carbono da China, que adiou para 2060 seu plano de neutralização de emissões, continuar entrando em ritmo forte no mercado brasileiro. “Que o governo considere impor uma taxa na fronteira para barrar esse tipo de aço.”
Siderúrgicas apostam em mix de matérias-primas para reduzir emissões
Os meios para reduzir as emissões de gases poluentes na siderurgia variam conforme empresa, país e modo de produção. Na Europa, com subsídios de governos, já estão avançados processos e tecnologias para fazer “aço verde”. Na Ásia (destaque para China e Índia), na África e na América Latina, ainda predominam sistemas tradicionais, com alta geração de carbono.
Hoje, a rota mais difundida globalmente para produção de aço – respondendo por 72% do total fabricado no mundo – é a que utiliza o alto-forno, e na qual se obtém como produto o ferro-gusa. Nela, o coque de carvão mineral costuma ser usado como combustível. A emissão média por esse modo de produção é de cerca de 2,3 toneladas de dióxido de carbono para cada tonelada de produto.
Para reduzir as emissões provenientes do coque, as siderúrgicas vêm tentando aumentar a eficiência energética e alterando o mix da matéria-prima (algumas vezes usando biocoque, feito a partir de biomassa).
As maiores empresas do setor que atuam no Brasil já adotam medidas como essas, opções de custo baixo ( mais informações na pág. B3). Essas saídas, no entanto, diminuem as emissões em, no máximo, 20%. “Para chegar a emissões próximas a zero, as siderúrgicas precisam pensar em novas rotas de produção”, diz o consultor Wieland Gurlit, sócio da McKinsey.
Por ora, a aposta mais promissora para o setor é a rota de redução direta (“Direct Reduced Iron”, ou DRI, na sigla em inglês), na qual se obtém o chamado ferro-esponja, em que é possível usar o gás natural ou o “hidrogênio verde” como combustível. Nesses casos, as emissões podem diminuir em 50% e 90%, respectivamente.
“A tecnologia que usa hidrogênio verde é pouco usada até mesmo fora do Brasil. Projetos começaram agora a ser anunciados no norte da Europa. Não é uma tecnologia 100% estabelecida, mas está mais avançada que outras, como as com base em eletricidade”, diz João Martins, diretor da consultoria Roland Berger.
Obstáculos
Os desafios para colocar a DRI em prática, no entanto, são enormes. O primeiro é que, atualmente, o hidrogênio verde é produzido em baixíssima escala em todo o mundo. Caro para ser fabricado, ele precisa de uma infraestrutura (que inclui usinas e canais de escoamento) hoje praticamente inexistente. Por outro lado, o Brasil é um dos países com maior chance de produzir o hidrogênio verde. Isso porque o combustível demanda um grande volume de energia limpa para ser produzido.
O hidrogênio verde pode ser produzido a partir de um processo chamado de eletrólise, que consiste em usar a eletricidade para quebrar moléculas, separando os componentes de uma substância, como água, etanol, biogás, entre outras.
Outro entrave é o volume de investimento necessário para se ter uma planta que produza aço via DRI. Uma unidade de tamanho médio demandaria um aporte de US$ 400 milhões (R$ 2,4 bilhões), de acordo com Martins. No Brasil, porém, as plantas atuais não operam em plena capacidade. Portanto, não haveria necessidade de se construir novas. Converter as unidades existentes, que possuem altos-fornos, para modelos que operam via DRI também ainda não se provou viável.
“Tem muita usina no País que ainda é nova, que foi construída ou expandida depois de 2005. Como ainda tem essa capacidade, seria pouco econômico abandonar tudo. Na Europa e nos EUA, onde existem plantas mais velhas, seria mais fácil”, acrescenta Martins.
Outra possível forma para reduzir as emissões da siderurgia seria capturar carbono na atmosfera e enterrar. Atualmente, campos de petróleo já exauridos são apontados como os melhores locais para estocar esse carbono.
Injetar esse gás embaixo do fundo do mar, no entanto, também demanda energia. Essa alternativa também é vista como inferior em termos ambientais, dado que dificilmente se conseguiria capturar mais de 80% do carbono emitido.
“Eu diria que, no Brasil, essa opção pode ser mais econômica, justamente porque o País ainda tem muitas plantas siderúrgicas novas”, diz Gurlit, da McKinsey. “O Brasil vai achar uma solução. Não tem como escapar. Na minha visão, vai ser uma mistura dessas duas opções, que hoje são as mais viáveis”, acrescenta.
O consultor, entretanto, não vê mudanças acontecendo no setor brasileiro no curto prazo. As primeiras produções de um aço com baixa emissão de carbono devem ocorrer em 2030, mas voltadas para a exportação.
‘Aço verde’
Estudos da CRU Consulting, consultoria independente especializada em commodities, indicam que somente poderia ser considerado “green steel”, ou aço verde, aquele que tiver uma emissão inferior a 400 toneladas de dióxido de carbono para cada tonelada de aço acabado (laminado).
Esse nível, no Brasil, já pode ser visto, por exemplo, na Aperam, que opera à base de sucata e carvão vegetal, e na Aço Verde do Brasil (AVB), que utiliza biocarbono nos altos-fornos, ambas com geração de CO2 em torno de 200 toneladas. As duas empresas, no entanto, não consideram as emissões de seus fornecedores no cálculo de emissão por tonelada de aço produzido. (O Estado de S. Paulo/Ivo Robeiro e Luciana Dyniewicz)