Com juro alto, 2025 deve ser mais um ano sem estreantes na B3

O Estado de S. Paulo

 

Após o “boom” registrado entre 2020 e 2021, bancos não veem abertura de capital de empresas na Bolsa brasileira.

 

Ainda sob o impacto do pacote de corte de gastos anunciado no fim de novembro pelo governo (considerado por muitos analistas como insuficiente para dar maior sobrevida ao arcabouço fiscal) e com a taxa de juros em alta, o mercado financeiro avalia que 2025 deverá repetir os últimos três anos e, provavelmente, fechar sem nenhuma operação de abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa brasileira.

 

Essa “seca” acontece após o “boom” de entradas em 2020 e 2021, quando 74 empresas protagonizaram uma corrida rumo à B3. O último IPO registrado pela Bolsa local foi o da Vittia, empresa de insumos e tecnologia para o setor agrícola, em setembro de 2021. Nesse ambiente, as Bolsas dos Estados Unidos podem ser uma opção, e já há relatos de empresas sondando bancos interessadas em listar suas ações em Nova York ( mais informações na pág. B2).

 

No Brasil, uma das condições essenciais para haver uma oferta é de alguma expectativa de corte de juros, o que, para os economistas, no melhor dos cenários só deve ocorrer a partir do próximo ano, a depender do cenário fiscal. Pesquisa do Bank of America com gestores latino-americanos mostra que a maioria ainda vê a Selic acima de 12,5% em dezembro de 2025, com parte acreditando em taxa até acima de 15%.

 

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central já antecipou mais duas altas de um ponto porcentual da taxa básica de juros nas reuniões deste mês e em março, o que levaria a Selic a 14,25% ao ano. O colegiado tem citado incertezas no setor externo, ligadas principalmente ao novo governo de Donald Trump nos EUA, e também o aumento das previsões para a inflação e o endividamento público.

 

“Taxa de juros para cima e IPO são duas coisas que não combinam”, afirma o chefe do banco de investimento do Santander Brasil, Leonardo Cabral. Em uma virada de ano marcada pela incerteza, o banco não arrisca fazer uma previsão de quando as ofertas devem voltar em 2025, mas prevê que, se acontecerem, serão limitadas a poucas companhias.

 

O Bradesco também mantém o ceticismo: “As chances de algum IPO em 2025 estão reduzidas”, disse o vice-presidente do banco, Bruno Boetger. Segundo ele, no momento não há sinais de que alguma nova listagem ocorra neste ano.

 

De qualquer forma, a visão nos bancos de investimento é de que grandes companhias seguem tendo a maior chance de emplacar um IPO. Nomes como Votorantim Cimentos, CSN Cimentos e a gigante de saneamento Aegea são apontados como candidatos com maior potencial, em uma lista que já tem mais de 60 nomes.

 

Para uma operação de abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) sair do papel, a estimativa do mercado é de que ela precisa movimentar, de início, pelo menos US$ 500 milhões (R$ 3 bilhões), valor que permitiria a entrada de investidores estrangeiros – que no último ciclo de ofertas, em 2020 e 2021, responderam por cerca de 30% a 40% da demanda na Bolsa brasileira. “Quanto maior a of e r t a , maior o interesse do estrangeiro”, afirma o responsável pela área de mercado de capitais de ações do Santander Brasil, Pedro Costa.

 

“A situação atual implica potencial atraso na abertura do mercado de capitais brasileiro para IPOs”, completa a executiva responsável pela área de ofertas de ações do UBS-BB, Teodora Barone, citando o ambiente de juros elevados e a incerteza com a situação fiscal do Brasil.

 

Esse ambiente deve levar companhias brasileiras a avaliar o mercado americano como alternativa, ressalta a executiva do UBS. “O ( Donald) Trump ( que assumirá a presidência dos EUA no dia 20) trouxe uma perspectiva positiva de reabertura de mercado para IPOs”, afirma Teodora. A economia americana mostrando atividade resistente, Bolsas batendo recordes e IPOs bem-sucedidos em 2024 apontam para um 2025 ainda melhor, na visão da executiva.

 

O relato é de que, ao mesmo tempo que estudam a viabilidade de uma operação no mercado local, algumas empresas têm feito sondagens sobre uma eventual oferta lá fora. “Temos conversas, sim, para IPO nos EUA”, afirma Costa, do Santander, citando que é uma empresa com parte da receita em dólar.

 

Para o vice-presidente do Bradesco, Bruno Boetger, mesmo para os IPOs no exterior o cenário local representa um problema. “As empresas continuam sendo brasileiras e, com exceção de um caso ou outro, as incertezas no mercado local deixam o investidor com menor apetite para investir, tendo a oportunidade de alocar seus recursos em outros emergentes”, diz. Segundo ele, a Bolsa brasileira está barata e pode permanecer assim por mais tempo, o que deve levar o investidor estrangeiro a aguardar um pouco mais para decidir voltar.

 

Sangria de fundos

 

No Brasil, os fundos de investimento – principalmente os compradores de ações em ofertas inicias – perderam b i l hões e m s a q ue s e m 2024. Só nos multimercados, a fuga bateu em R$ 325 bilhões. Já nos fundos de ações, somou R$ 9,5 bilhões até novembro, segundo os dados mais recentes da Anbima. Grande parte desse dinheiro migrou para a renda fixa.

 

“A seca de IPO vai continuar”, avalia Daniel Celano, diretor-presidente da Schroders Brasil, uma das gestoras mais ativas na Bolsa. “A prancha está quebrada e o Brasil não está surfando a onda do mercado global”, ressalta ele. (O Estado de S. Paulo/Altamiro Silva Junior e Cynthia Decloedt)