‘Transição para energia limpa tem um alto custo’

O Estado de S. Paulo 

 

“O problema do Brasil é que a regulação anda muito lenta. Nos países da Europa Ocidental, por exemplo, se andou muito mais rápido. Talvez exista mais consciência lá do que aqui”

 

CEO da Prumo Logística, responsável pelo Porto de Açu, fez carreira no setor industrial, de tecnologia e de geração de energias renováveis

 

Apesar de ter ficado na 12.ª posição no Índice de Transição Energética (ETI), divulgado em relatório recente do Fórum Econômico Mundial, o Brasil deveria já ser o número um entre os países mais preparados para promover essa transformação, defende o CEO da Prumo Logística, Rogério Zampronha. Em entrevista ao Estadão, o executivo diz ver alguns entraves que ainda impedem um avanço mais rápido: o custo do uso das fontes renováveis, como o hidrogênio verde, que ainda precisa desenvolver escala e tecnologia, e a regulação do setor. “No Brasil, a regulação anda muito lenta”, afirma.

 

Zampronha será um dos participantes do evento Neoindustrialização apoiada pela transição energética – Como unir a política industrial e a política de sustentabilidade, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre hoje, no salão nobre da Fiesp.

 

Qual é o principal desafio para a transição energética acontecer?

O custo para fazer a transição é muito elevado. Não será um negócio que, a partir do ano que vem, a gente simplesmente comece a usar um novo combustível sem origem fóssil. A sociedade não está disposta a pagar esse preço da mudança para uma matriz totalmente limpa. Hoje, não se pode vender um detergente que não seja biodegradável, mas gosto desse exemplo. Se pudesse ter um detergente não biodegradável junto com o biodegradável na prateleira do mercado, provavelmente 70% da população brasileira optaria pelo mais barato. Isso é um exemplo de como a regulação terá um papel muito importante na mudança, que acaba sendo imposta, mas que representa um desejo da sociedade.

 

E quais as prioridades para conseguir suprir essa demanda por mudança?

O gás natural é um combustível fóssil, porém, que provoca muito menos emissões do que o gás feito de petróleo ou da queima de combustível, e ele será muito importante na transição energética. O uso em determinados processos industriais permite a emissão de muito menos gás carbônico, ou o gás de efeito estufa, do que em processos tradicionais. O problema é que o preço do gás no Brasil é muito alto. O hidrogênio verde, de baixo uso de carbono, é um substituto maravilhoso para o gás natural. Mas tem um detalhe. Ele ainda custa muito mais caro, e até que a gente tenha volume, tecnologia e preço, o gás natural vai continuar tendo um papel relevante.

 

E quando você acredita que o hidrogênio verde pode se tornar viável?

Até alcançar escala e (reduzir) custo, vão levar duas ou três décadas. Tudo isso vai ter implicações importantes no nosso dia a dia, além de implicações geopolíticas gigantescas no futuro. Quando se fala em produção de hidrogênio, a gente fala em deslocar centros de produção de energia. Nossa energia, hoje, vem de centros dominados por produtores de petróleo, como o Oriente Médio. A Rússia é um importante produtor de petróleo e de gás natural. O Brasil está se tornando também um produtor de petróleo importante. Mas, uma vez que a cadeia da produção dos novos combustíveis passe a trazer hidrogênio, os ganhadores não serão mais Arábia Saudita, Venezuela, México e Rússia. Os ganhadores serão aqueles que têm recursos naturais abundantes. Seja biomassa, vento ou sol.

 

Então, é nesse ponto que o Brasil pode se destacar?

A energia renovável brasileira, com os ventos e o sol que temos no Brasil, é das melhores do mundo. Então, o País deveria ter a energia renovável mais barata do mundo. Além disso, tem a energia hídrica também, que eu não mencionei, mas a gente tem água em abundância. Pelo menos, até agora. Com isso, o Brasil pode também ganhar a corrida da biomassa. É possível produzir também, a partir dela, o hidrogênio e o biogás, que é o substituto natural do gás natural. Para completar, as florestas crescem no Brasil muito mais rápido do que em outros países. A gente tem três safras de soja por ano. O Brasil é abençoado nisso também.

 

O que falta, então, para essa transição?

O problema do Brasil é que a regulação anda muito lenta. Nos países da Europa Ocidental, por exemplo, se andou muito mais rápido. Talvez exista mais consciência lá do que aqui. Mas a nossa vai vir a reboque, porque o Brasil não poderá mais, por exemplo, exportar aço na escala que exporta hoje para a União Europeia se não atingir determinados níveis de redução de emissão, de 30% de redução nas siderúrgicas. Esse é só um dos exemplos. Se a gente não regula aqui, o mercado lá fora começa a impor barreiras, sejam tarifárias ou regulatórias, para os produtos brasileiros. Obrigatoriamente, a gente tem de se adaptar a essa regulação externa. O ideal é que a regulação interna ocorresse rapidamente, tão rápido quanto ocorreu no Chile. (O Estado de S. Paulo/Carlos Eduardo Valim)