O Estado de S. Paulo/Mobilidade
Baterias de carros elétricos empilhadas em ferros velhos ou jogadas em terrenos baldios. Essa era a imagem que muita gente fazia quando acabasse a vida útil do componente mais importante do veículo elétrico. A preocupação era recorrente: como seria o descarte da bateria após o uso?
Cinco anos depois do início da venda em escala comercial dos automóveis eletrificados no Brasil, ainda é muito cedo para as baterias serem descartadas. Afinal, após equipar os carros ao longo de oito a 10 anos, elas passam por um segundo ciclo de vida em aplicações estacionárias, como fornecer energia para ligar eletrodomésticos.
A partir daí, a destinação da bateria está bem longe dos depósitos de lixo. Ela será levada para a reciclagem e a indústria global está se preparando para fazer esse processo. Empresas especializadas no Brasil – como Energy Source, Re-Teck e Lorene – estão prontas para atender ao mercado automotivo no momento certo.
“Há 25 anos as baterias de íons de lítio fazem parte da sociedade brasileira”, afirma Marcelo Cairolli, diretor de infraestrutura da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e vice-presidente de negócios para América Latina da ReTeck, companhia de logística reversa de eletroeletrônicos.
As baterias de lítio, presente na maioria dos veículos elétricos vendidos no País, utilizam a mesma tecnologia de aparelhos como telefone celular, notebook, bicicleta elétrica e aspirador de pó. “Por isso, já temos experiência com a reciclagem de baterias”, revela Ariane Mayer, diretora de negócios e ESG da Energy Source, companhia de economia circular e tecnologia sustentável.
Pesquisa conduzida pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGVEAESP), divulgada em 2023, revela que o Brasil tinha, então, 249 milhões de smartphones e 115 milhões de tablets e notebooks ativos.
“Isso equivale a 42,2 mil toneladas de baterias em operação. Ou seja, não se trata de tecnologia nova no País e as empresas de reciclagem estão a postos para servir o mercado automotivo”, acrescenta Cairolli.
Segundo dados da ABVE, as baterias de lítio podem ser 100% recicladas, evitando riscos ou prejuízos ao meio ambiente. “É claro que sempre haverá uma perda mínima. Assim, de 95% a 98% dos materiais contidos na bateria são reaproveitados”, diz Mayer.
No caso da Energy Source, de 2021 até janeiro de 2024, foram recuperadas 25 toneladas de lítio, 150 toneladas de cobalto, 20 toneladas de níquel, 250 toneladas de grafite, 60 toneladas de cobre e 35 toneladas de alumínio.
Massa negra
Mayer explica que a reciclagem completa demora dois dias e acontece em duas etapas. A primeira consiste na separação física e mecânica dos materiais e a segunda realiza processos químicos, por meio da hidrometalurgia, que envolve a dissolução dos minerais em meio aquoso. O trabalho consegue processar três toneladas de bateria bruta por turno.
Os minérios que compõem a bateria formam a chamada “massa negra”, valioso subproduto extraído com a descaracterização do componente, tecnologia difundida mundialmente e empregada também no Brasil.
“Todos os cuidados são importantes. A bateria que será reciclada é transportada em um recipiente homologado, apelidado de sarcófago, e passará pelo manuseio totalmente seguro de profissionais treinados”, atesta Mayer. “É preciso evitar riscos à saúde ocupacional, como choque elétrico.”
Como a tecnologia da bateria de um smartphone é a mesma usada pelas montadoras nos veículos eletrificados, o processo de reciclagem também é parecido. A diferença é que o componente automotivo exige equipamentos mais robustos e potentes, como trituradores, devido ao tamanho e ao peso de aproximadamente 300 quilos.
Vale ressaltar que, em caso de avaria, nem sempre é preciso substituir a bateria completa do carro. O proprietário pode solicitar um teste das células e trocar apenas as danificadas, enviadas para a reciclagem. O processo vai separar plásticos, retalhos de alumínio e cobre e os metais nobres – reinseridos na cadeia produtiva e reaproveitados, inclusive, na fabricação de novas baterias.
Outra destinação possível é a aplicação dos produtos na nutrição animal e nutrição foliar. Em um círculo virtuoso, as baterias feitas com material reaproveitado poderão sofrer mais reciclagens no futuro. “Os metais jamais perdem a capacidade de performance”, explica Mayer.
Os benefícios da reciclagem vão além. Ela reduz a necessidade de extração dos minérios para a produção de baterias, minimizando a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e, consequentemente, o impacto ambiental. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Mário Sérgio Venditti)