O Estado de S. Paulo
A economia brasileira está crescendo acima do seu potencial, o que pode levar a pressões inflacionárias que terão de ser contidas por meio do aumento da taxa básica de juros. Essa foi a avaliação dos participantes do 3.º Seminário de Análise Conjuntural, realizado ontem pelo Estadão e pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).
Para o economista José Júlio Senna, o ideal seria que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central já aumentasse a Selic em 0,50 ponto porcentual na reunião da próxima quarta-feira, embora a tendência seja de alta de 0,25 ponto dada a “narrativa de gradualismo”. “Veio um monte de sinais de dirigentes do BC de que a alta de juros está na mesa, de que vão levar a inflação para a meta, de que têm de reancorar expectativas. O BC falou muito grosso; a meu ver, ajoelhou, tem de rezar. Deram tanto sinal de austeridade e combate à inflação que não tem escapatória agora. Imagino que o ideal seria um aumento de 50 pontos (0,50 ponto porcentual) na reunião da próxima semana”, disse Senna.
Um aumento de 0,50 ponto, disse Senna, serviria para fazer jus aos posicionamentos recentes de dirigentes do BC e para dar uma resposta às expectativas de inflação desancoradas e a uma economia aquecida. Ele lembrou ainda que o BC fez um único aumento de 0,25 ponto ao longo da condução recente da política monetária e que uma alta dessa magnitude, “para o nível de Selic no Brasil, não faz muita cócega”. A taxa básica está hoje em 10,5% ao ano. Como o Estadão mostrou, o mercado projeta até quatro altas de 0,25 ponto nas próximas quatro reuniões do Copom.
‘Movimento inflacionário’
Analisando o cenário atual, a economista Silvia Matos, do FGV/Ibre, disse que, apesar da recente melhora na composição do crescimento do PIB, o País está crescendo acima do seu potencial e que isso virá acompanhado de mais juros e inflação pressionada. “Estamos estimulando a economia mais pelo lado da demanda, dos gastos públicos, em movimento inflacionário. Já vimos essa história antes. Isso leva a um juro de equilíbrio mais elevado”, disse ela, ponderando que o mundo ainda estaria ajudando o Brasil com as expectativas de redução de juros, sobretudo nos EUA.
Também participante do debate, o economista Armando Castelar, que é pesquisador associado do FGV/Ibre, disse que o cenário de crescimento turbinado é muito semelhante ao dos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas com a diferença de que, hoje, o dólar não tem recuado como antes. Além disso, o cenário para as commodities não é tão positivo, com queda de preços de importantes produtos da pauta de exportação do País, o que dificulta o controle de parâmetros da economia como a inflação.
Silvia Matos destacou ainda o aumento dos gastos do governo e do consumo das famílias. “O consumo das famílias tem crescido acima do PIB. Nos EUA, ele voltou aos níveis prépandemia, mas a gente no Brasil ‘embicou’ em uma tendência de aceleração muito acima disso. O PIB tem crescido acima do seu potencial, apoiado pelo crescimento do consumo das famílias”, disse ela, observando que nos últimos dois anos a economia brasileira crescia puxada principalmente pelas commodities (agronegócio e a indústria extrativa). “Agora, é completamente diferente. O PIB está muito mais focado na demanda doméstica.”
Juros nos EUA
Sobre o contexto da economia americana, Senna disse que, graças à melhora da inflação, os Estados Unidos vão entrar em um ciclo de redução de juros, mas de forma moderada, o que vai frustrar parcela do mercado financeiro que ainda projeta cortes mais agressivos. “A atividade econômica (nos EUA) ainda tem bom grau de vigor. Sendo assim, o comitê de política monetária dos EUA tem de agir, mas com moderação.”
Segundo Senna, a inflação americana vive uma “melhora indiscutível” apesar da leve piora nos dados de agosto. “Os dados pioraram um pouco na margem, mas ainda estão mais baixos que as taxas de 12 meses nas cinco principais medidas da inflação americana”. (O Estado de S. Paulo/Gabriel Vasconcelos)