O Estado de S. Paulo Online
O governo Lula tem negociado um novo programa para renovar a frota de veículos pesados do País e tirar de circulação caminhões que têm mais de 20 anos. A tentativa de renovação da frota já foi feita no ano passado, quando o governo anunciou uma iniciativa para conceder R$ 700 milhões para troca de caminhões. O programa, no entanto, empacou. Só R$ 130 milhões foram utilizados, segundo o Ministério da Indústria e Comércio (MDIC). Agora, o ministério conduzido pelo vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, tem prometido reciclar o programa, segundo fontes do setor que participam das negociações.
Procurado pelo Estadão, o MDIC confirmou a informação. A nova proposta, no entanto, não tem data para ser apresentada. “A definição de um programa para renovação da frota de caminhões e ônibus segue orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin”, informou o MDIC. Segundo o ministério, o “alcance do programa, suas metas, condicionantes e fontes de financiamento, entre outras definições, estão sendo avaliados”.
Alckmin chegou a dizer, em fevereiro, a dirigentes da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) que o governo federal pretendia lançar um programa permanente de renovação de frota de caminhões e ônibus. Desde então, o setor tem mantido conversas com interlocutores do governo federal para que o programa deslanche, o que não aconteceu.
“Recentemente, durante a inauguração da nova sede da Anfavea, em São Paulo (SP), me reuni com o presidente Lula para discutir, entre outros assuntos, a relevância da renovação de frota no Brasil para promover a descarbonização e a modernização da frota”, afirma o presidente da Iveco para América Latina, Marcio Querichelli. “Temos uma grande expectativa que esse projeto saia do papel e seja concretizado em breve”, diz o executivo.
“É fundamental que tenhamos um programa robusto de renovação de frota com o objetivo de retirar de circulação milhares de caminhões antigos das ruas e estradas, contribuindo com a segurança e com o desafio climático. Essa é uma pauta que tem de estar em destaque para toda a sociedade”, afirma Querichelli. Segundo ele, um programa de renovação da frota “ainda é um desafio nacional”.
Técnicos da Casa Civil e do MDIC têm se debruçado sobre o assunto, mas a demora gera insatisfação no setor. A despeito da vontade do MDIC, uma das dificuldades, segundo fontes envolvidas nas negociações, tem sido encontrar a fonte de recursos para relançar o programa.
Um programa para renovar a frota de veículos pesados – que inclui caminhões e ônibus – havia sido desenhado no final do governo Bolsonaro. O governo Lula, no entanto, editou a medida para o setor junto com o incentivo para alavancar a venda de carros populares, na metade de 2023. A maior parte do dinheiro que seria destinado para os caminhões, no entanto, ficou encalhado. O governo alega que a medida provisória editada no início de junho do ano passado tinha duração de quatro meses e que o tempo que não foi suficiente para atingir todo o setor.
Caminhoneiros se queixam da forma como o programa foi desenhado e dizem que, por questão financeira, os profissionais autônomos não conseguiram se beneficiar do programa. “O transportador autônomo vende o almoço para comer no jantar. É importante trazer o BNDES para a mesa. Não adianta dar o crédito se eu não der condições para pagar o bem. Não existe mágica”, afirma o presidente da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores), Wallace Landim, conhecido como Chorão.
Segundo ele, que tem participado de reuniões com o governo Lula em Brasília, no ano passado só grandes empresas se beneficiaram e não os trabalhadores autônomos. Ele também se queixa da ausência da categoria no Conselhão de Lula, apesar do poder que os caminhoneiros mostraram na greve de 2018, no governo Temer. Na época, os motoristas conseguiram parar o País por quase dez dias. Desde então, o governo vive sob a preocupação de reviver a crise.
Idade
Estudo encomendado pela Anfavea aponta que há quase 500 mil caminhões com mais de 25 anos. A entidade sustenta que o custo para os cofres públicos com os acidentes causados pelos veículos antigos e sem manutenção, além das doenças respiratórias causadas pelos poluentes, chega a R$ 62 bilhões anuais. A associação dos fabricantes de veículos defende a negociação de um novo programa e diz que a iniciativa de 2023 gerou um “aprendizado” sobre o processo complexo de renovação da frota.
O diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, afirma que os caminhões mais velhos estão na mão dos motoristas autônomos. Segundo ele, as grandes empresas costumam trocar o veículo com no máximo quatro anos de uso. Entre os autônomos, a frota tem idade média de 22 anos. “Temos 28% da frota circulando com mais de 16 anos”, afirma Batista.
O representante da CNT avalia que o fracasso do programa do ano passado se deve, provavelmente, a dois fatores: dificuldade de comunicar o programa ao público prioritário, que são os autônomos, e baixo acesso a financiamento por parte dos caminhoneiros. “Os autônomos são um público que tem dificuldade maior de comprovar sua receita”, diz Batista.
A Anfavea, que representa os fabricantes de veículos, tem dito que as medidas do ano passado foram “um importante passo”. “Além de movimentar o mercado, geraram um importante aprendizado sobre este complexo processo”, afirma o primeiro vice-presidente da Anfavea, Gustavo Bonini.
Programa reciclado
No final de 2022, o governo Bolsonaro sancionou projeto que converteu em lei medida provisória que estimulava a renovação da frota de veículos pesados. “O Renovar foi discutido por vários anos para encontrar um programa viável do ponto de vista operacional. Agora, parece que a intenção é relançar um novo programa, mas ainda não fomos informados do que significaria, do que vai mudar e justifica a criação de um novo programa”, afirma Batista, da CNT. Ele diz que o governo sinaliza que a ideia é lançar o programa neste ano.
Em entrevista concedida ao Estadão, o secretário de Desenvolvimento Industrial, Uallace Moreira, nega que tenha havido dificuldade por parte do setor em acessar o recurso e diz que o problema foi o prazo de duração da MP.
“Não procede isso, pelo menos no diálogo que a gente tem com o setor. O que aconteceu: um programa de renovação de frota daquela natureza tem um prazo de maturação, uma curva de aprendizagem. Você precisa amadurecer o ecossistema para isso”, afirma o secretário. O MDIC aponta que a baixa procura tem relação com os entraves relativos à quantidade e capacidade das recicladoras para receberem os veículos velhos.
“Eu precisava fazer com que houvesse uma interação entre um cara que tem um caminhão velho, com mais de 20, 30 anos, alguém que comprasse aquele caminhão, jogasse para reciclagem… tinha um certificado, chegava na montadora e comprava um novo caminhão. Não era seminovo. Só zero. Aquilo ali tinha uma variação de desconto de R$ 33,6 mil até R$ 99,4 mil. Aí tinha de ter o registro, o licenciamento, fazer baixa no Contran (Conselho Nacional de Trânsito), tudo isso. Esse processo demandou um tempo, isso é fato”, afirma. “Quando isso começa a amadurecer, deu quatro meses e a MP caducou. Então, não foi a complexidade”, diz o secretário. Ele afirma que o “ecossistema” agora está maduro. (O Estado de S. Paulo Online/Beatriz Bulla, Mariana Carneiro e Anna Corolina Papp)