Perguntas e respostas sobre o Brasil e o hidrogênio verde

O Estado de S. Paulo

 

Perguntas e Respostas

 

Qual o potencial e quem está na frente na corrida pelo combustível limpo

 

Onde o mundo está? E onde precisa chegar?

Atualmente, a demanda anual por hidrogênio cinza (produzido a partir de combustíveis fósseis, como o gás natural) é de 96 milhões de toneladas por ano. A Agência Internacional de Energia calcula que a demanda pode passar para a casa de 200 milhões de toneladas até 2030, com a redução do uso do hidrogênio cinza e o maior uso de hidrogênio de baixo carbono – tendo o hidrogênio verde neste cálculo. Hoje, o produto é usado, principalmente, em fertilizantes e na indústria de aço e poderá ser substituído pelo verde. A maior demanda no futuro, entretanto, deve vir de mercados em que hoje o hidrogênio não é explorado, como no transporte e em outros processos industriais. Há, por exemplo, estudos para utilizá-lo como combustível de avião, navio e caminhões. O alicerce desse mercado depende, em grande parte, da taxação da emissão de carbono – a criação de um “imposto verde” pode cobrar por atividades poluentes e produtos com base na quantidade de carbono emitido em sua fabricação. Se as empresas forem obrigadas a “pagar para poluir”, elas terão de buscar alternativas sustentáveis.

 

Onde o Brasil está? E onde precisa chegar?

“Se o Brasil está preparado para aproveitar essa oportunidade? Ele está se preparando. Outros países estão numa velocidade muito maior. Só que outros países não têm as características favoráveis que o Brasil tem”, afirma o pesquisador e professor da Universidade Federal de Santa Catarina Ricardo Rüther. A avaliação de analistas é de que o Brasil está de dois a três anos atrasado na comparação com países que saíram na frente nesse mercado. As empresas no Brasil que estão com projeto mais avançado pretendem começar a produzir hidrogênio verde em 2027. Há uma série de empresas que firmaram pré-contratos ou memorandos de entendimento para começar estudos de viabilidade. Para assumir protagonismo no mercado doméstico e mundial de hidrogênio verde, os projetos anunciados precisam começar a sair do papel

 

Quais os desafios e as oportunidades?

O hidrogênio verde ganhou a atenção de empresas e investidores recentemente em razão do potencial de gerar energia sem emissões. O contexto geopolítico mundial, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, também fez o mundo prestar mais atenção na fonte alternativa de energia. O mercado de hidrogênio verde é promissor para o Brasil, que pode oferecer um dos produtos mais competitivos do mundo. A McKinsey estima que toda a cadeia de valor do hidrogênio verde, da geração à exportação, pode movimentar US$ 200 bilhões (por volta de R$ 1 trilhão) no Brasil até 2040. O preço da energia, porém, pode ser um entrave para o desenvolvimento do setor. Outro empecilho para a indústria do hidrogênio verde avançar é o valor dos equipamentos que fazem a eletrólise. A falta de escala na produção no início também é um desafio

 

Quem já está no caminho no mundo?

Estados Unidos, Chile, Austrália e Arábia Saudita são considerados países na vanguarda. Apesar de ainda não haver usinas em escala industrial operando, já há incentivos e arcabouço regulatório definido para impulsionar o desenvolvimento do setor.

 

Em todo o mundo, são pouquíssimos projetos de hidrogênio verde em operação. Entre eles, estão o da Iberdrola, inaugurado na Espanha em 2022, o da Engie e do Walmart, no Chile, e três unidades da Lhyfe, na França. Os europeus saem na frente quando o assunto é investimento em projetos de hidrogênio limpo, considerando hidrogênio verde e hidrogênio azul, que não vem de fonte renovável, mas é de baixo carbono, segundo dados do Conselho Mundial do Hidrogênio

 

Quem já está no caminho no Brasil?

No País, o Ceará está mais adiantado. O porto de Pecém (CE) se prepara para ser o principal polo do combustível no Brasil. As empresas que já assinaram os précontratos para reservar área em Pecém são: AES, Casa dos Ventos, Fortescue, Cactus Energia e uma quinta, cujo nome é mantido em sigilo pelo complexo portuário. A australiana Fortescue tem um dos maiores e mais adiantados projetos para produção de hidrogênio verde no Brasil. A intenção da Fortescue e da Casa dos Ventos é começar a produzir hidrogênio em Pecém em 2027. A alemã Neuman & Esser (NEA) promete ser a primeira a produzir no Brasil, com fábrica em Belo Horizonte (MG), os equipamentos para fazer eletrólise – o processo que gera hidrogênio verde. A expectativa é de que a planta comece a operar no segundo semestre. A Unigel prometia o maior projeto de produção de hidrogênio e amônia verdes no Brasil, no Polo Petroquímico de Camaçari, no Estado da Bahia. A empresa, porém, acumula uma dívida de R$ 3,7 bilhões e passa por negociação com credores sobre um plano de reestruturação

 

Onde o Brasil não pode errar?

O Brasil precisará ampliar a matriz energética, só com fontes de energia renovável, para dar conta da demanda que pode surgir com os projetos de hidrogênio verde. Também precisa avançar na regulação do tema e definir se irá conceder subsídios, e de qual tipo, para o início da produção do projeto

 

O que são as clean techs?

As startups apostam no hidrogênio verde principalmente como ferramenta para reduzir ou até zerar as emissões de gases de efeito estufa em setores considerados estratégicos no Brasil. A startup paulista de nanotecnologia Xield desenvolve um protótipo de um reformador que converte etanol em hidrogênio verde. Se bem-sucedido, o projeto permite transformar toda a indústria de automóveis movidos a célula de combustão, com impacto ambiental ainda menor. Já a startup paranaense Protium Dynamics desenvolveu um motor que usa o hidrogênio como aditivo ao combustível de caminhões, que conseguem economizar no gasto com diesel e emitir menos gases poluentes. O setor de startups que atuam com hidrogênio verde no Brasil é promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK, na sigla em alemão), que desenvolveu o primeiro programa do País para acelerar soluções a partir dessa tecnologia

 

Quais carreiras serão beneficiadas com a mudança de matriz energética?

Apesar de ainda engatinhar no País, o hidrogênio verde tem potencial para gerar diferentes postos de trabalho e impulsionar carreiras, em especial posições técnicas ligadas à área de engenharia. A demanda por profissionais de engenharia deve ser grande, com oportunidades para diferentes profissionais, como: engenheiros eletricistas; engenheiros químicos; engenheiros civis; engenheiros mecânicos e engenheiros de processo. Algumas especializações que devem ser cada vez mais demandadas são: redes de transmissão de energia, controle e gestão de grid de transmissão elétrica e planejamento elétrico. Apesar disso, especialistas afirmam que profissionais que tenham experiência no mercado de energia, especialmente de fontes renováveis, podem sair na frente na busca por uma colocação, para além do mercado de engenharia

 

Como está a regulação deste mercado hoje?

Há diferentes projetos de lei que tratam da regulamentação do hidrogênio verde em tramitação no Congresso. Dois deles, um aprovado na Câmara e outro no Senado, trazem diferentes incentivos para o setor. A proposta gerada no Senado, por exemplo, cria incentivos por meio da tarifa de energia. Senadores e deputados articulam, agora, a fusão das propostas em um só texto para tentar criar um marco legal do setor. Em mensagem encaminhada aos parlamentares em fevereiro, no início do ano legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incluiu projetos de regulamentação da chamada pauta verde entre as prioridades de 2024. Ele incluiu entre os temas prioritários os dois textos que tratam do marco legal do hidrogênio verde. O governo também considera como prioritários outros projetos de lei que podem ajudar a destravar investimentos para a produção de hidrogênio verde no País, como o PL que trata de eólicas offshore e o PL 5174/2023, que cria o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten). (O Estado de S. Paulo)