Plano de microcrédito quer injetar R$ 7,5 bilhões na economia

O Estado de S. Paulo

 

Em meio à queda de popularidade e às vésperas das eleições municipais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou ontem um pacote de crédito com foco nos pequenos negócios e nos microempreendedores individuais (MEIs), sobretudo os que estão nas camadas mais pobres. As medidas envolvem liberação de novos recursos, renegociação de débitos e até incentivos na área imobiliária. A informação foi antecipada pelo Estadão em março.

 

O governo conta com a injeção de novos recursos para turbinar o Produto Interno Bruto (PIB) no ano, mas os analistas viram efeito limitado nas medidas.

 

O programa, batizado de Acredita, está previsto para começar em julho, mas algumas iniciativas, como a renegociação de dívidas, terão início imediato. Uma das principais vertentes será o estímulo ao microcrédito, focado nos inscritos do Cadastro Único (CadÚnico) – a base de dados dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família.

 

O governo prevê realizar 1,25 milhão de transações de microcrédito até 2026, último ano do mandato presidencial. Cada operação é avaliada em torno de R$ 6 mil, o que injetaria mais de R$ 7,5 bilhões na economia nesse período, segundo projeções do Ministério da Fazenda.

 

Atualmente, 43 milhões de famílias (aproximadamente 96 milhões de pessoas) estão registradas no CadÚnico, das quais 54% vivem com renda per capita de até R$ 109 mensais.

 

A iniciativa contará com garantia do Tesouro Nacional, ou seja, dinheiro público, em caso de inadimplência. Isso se dará por meio do Fundo Garantidor de Operações (FGO), operado pelo Banco do Brasil, que terá um novo braço específico para isso: o FGO Acredita no Primeiro Passo.

 

Para 2024, está prevista a aplicação de até R$ 500 milhões, fruto de um remanejamento do FGO-Desenrola Brasil (fundo usado para o programa de renegociação de dívidas de pessoas físicas). Pelo menos metade das concessões deve ser destinada a mulheres.

 

“As pessoas que têm muito dinheiro, se demorar um ou dois meses, aguentam. Mas quem precisa de R$ 1 mil ou R$ 2 mil, é muito difícil. Não tem banco para a gente entrar. Banco não foi preparado para receber pobre, as pessoas que não chegam de terno e gravata. O que estamos fazendo é que, independentemente da origem social, as pessoas tenham acesso ao sistema financeiro”, afirmou Lula.

 

Revisão de débitos

 

Um outro eixo do programa prevê a renegociação de dívidas de MEIs, micro e pequenas empresas e de débitos relativos ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado durante a pandemia.

 

Batizado de Desenrola Pequenos Negócios, o programa concede um benefício regulatório aos bancos para estimular a renegociação, nos moldes do que já foi feito no Desenrola voltado às pessoas físicas. Nesse sentido, a medida autoriza que o valor renegociado até o fim de 2024 das dívidas inadimplentes até o dia da publicação da MP possa ser contabilizado para a apuração do crédito presumido dos bancos entre 2025 e 2029.

 

Isso significa que os bancos poderão elevar seu nível de capital para a concessão de empréstimos. Esse incentivo, segundo o Ministério da Fazenda, não geraria nenhum impacto fiscal para 2024 e, nos próximos anos, o custo máximo estimado em renúncia fiscal seria de R$ 18 milhões, em 2025, e de 3 milhões, em 2026. Para 2027, não há previsão de custo.

 

Além disso, esse eixo prevê uma política de estímulo ao crédito a empreendedores e empresários com faturamento de até R$ 360 mil ao ano – “com taxas até 50% menores que as praticadas pelo mercado”, diz o Palácio do Planalto. A política foi batizada de ProCred 360, que também contará com garantias do FGO.

 

Já para as empresas de porte médio, com faturamento de até R$ 300 milhões, a MP reduz os custos do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), com 20% de redução do chamado Encargo por Concessão de Garantia (ECG) – que começou a ser cobrado dos bancos em janeiro, depois que o Peac se tornou um programa permanente.

 

O governo quer ainda ampliar o papel da Empresa Gestora de Ativos (Emgea), uma estatal, como securitizadora no setor imobiliário. O foco será nas famílias que não se qualificam para programas habitacionais populares, mas para quem o financiamento a taxas de mercado é muito caro.

 

“A partir da MP, a Emgea poderá adquirir créditos imobiliários para incorporar em sua carteira ou vender no mercado, assim como títulos de valores mobiliários”, diz a Fazenda. A empresa também poderá prestar serviços de gestão e cobrança para entidades públicas e privadas, e se envolver em parcerias público-privadas.

 

A avaliação de economistas é de que o pacote de crédito anunciado ontem pelo governo, que engloba novas linhas de financiamento e a renegociação de antigos débitos, não deve, a princípio, ter impacto significativo sobre a atividade econômica e levar o mercado a mudar suas previsões para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) no ano. Também não se espera impacto na economia que possa comprometer a atual política monetária do Banco Central.

 

“Pelo que foi anunciado até agora, parece algo distante do que vimos, por exemplo, entre 2009 e 2015, quando houve um forte subsídio do Tesouro direcionado para grandes empresas, que já tinham acesso aberto para os mercados”, afirmou o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, que hoje é professor adjunto da Georgetown University. “Não me parece que os programas agora vão atingir um tamanho a ponto de atrapalhar o BC, o que é uma boa notícia.”

 

Volpon destacou ainda o fato de as iniciativas serem direcionadas para pessoas de baixa renda e para pequenos e médios empresários. “É onde você pode argumentar que, de fato, existe falha no mercado de crédito. E você vê isso em outros países, não é uma ‘jabuticaba’”, acrescentou ele.

 

Já na avaliação da economista-chefe da consultoria Buysidebrazil, Andréa Damico, é natural que programas de crédito tragam resultados positivos para o crescimento da economia, mas no caso das medidas anunciadas ontem ainda é cedo para saber se o impacto será significativo o suficiente a ponto de puxar para cima as projeções atuais de crescimento do PIB. “O eixo relacionado ao microcrédito deve ter um impacto pequeno, mas a parte do imobiliário, por exemplo, precisa de mais detalhes para analisar melhor”, disse ela.

 

‘Sabor amargo’

 

Entre as medidas incluídas no pacote, Andréa considera que a que deixou o “sabor mais amargo” foi a da ampliação do papel da estatal Empresa Gestora de Ativos (Emgea) como securitizadora de créditos imobiliários. Para ela, a iniciativa irá favorecer pessoas da classe média que poderiam conseguir crédito a taxas de mercado convencionais. “Não é um enfoque na população menos favorecida.”

 

Economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria viu pontos positivos no pacote, mas ressaltou que uma retomada do crédito de forma sustentável depende também do ajuste nas contas do governo. “O crédito só vai melhorar com a queda de juros, com a inflação e o risco fiscal controlados. Se o governo não enfrentar o fiscal como deveria, na prática, estamos sem controle de gastos, o que pressiona os juros.”

 

O pacote, porém, não deve ter impactos significativos na política monetária e nas projeções de crescimento do PIB, segundo Rafaela. “A medida não tem um acesso tão amplo e tem um tamanho modesto. Pode ajudar o nicho dos pequenos negócios sem o impacto macro de ir contra o contexto de aperto monetário”. (O Estado de S. Paulo/Bianca Lima, Daniel Tozzi Mendes, Fernanda Trisotto, Célia Froufe, Sofua Aguiar, Amanda Pupo, Gabriela Jucá)