O Estado de S. Paulo Online
A Companhia Brasileira do Lítio (CBL), pioneira na extração desse mineral no Brasil, estuda um investimento de US$ 70 milhões (cerca de R$ 360 milhões, pelo câmbio atual), para duplicar sua produção. O movimento vem a despeito do momento de baixa dos preços do lítio no mercado internacional – os acionistas da empresa estão convictos de que se trata de uma fase de ajustes entre oferta e demanda do mineral, usado na fabricação de baterias para carros elétricos, entre outras aplicações industriais. A visão é de um cenário mais equilibrado nos próximos anos.
O mineral se tornou uma vedete global com a acelerada demanda gerada pela indústria de mobilidade elétrica de cinco anos para cá, com avanço dos carros elétricos na China, Europa e Estados Unidos. No entanto, após a explosão de preços vista em 2022 – considerada um ponto fora da curva -, o valor de materiais de lítio registrou queda superior a 80% em menos de um ano, desde maio de 2023. Avaliações indicam que houve ampliação da oferta, aliada a uma expansão menos acelerada da indústria automotiva.
Atualmente, o concentrado de lítio é negociado na faixa de US$ 1,1 mil a tonelada em mercados da China e Coreia do sul, onde se localizam as principais refinadoras do metal. O carbonato de lítio, uma das etapas anteriores à fabricação da bateria, varia de US$ 14 mil a US$ 15 mil a tonelada. No auge, foi negociado a mais de US$ 80 mil.
Pioneira na extração, beneficiamento e refino de lítio no País, em operação desde 1991, a CBL busca ter uma posição de referência nesse mercado. Controlada por dois empresários brasileiros – Salustiano Costa Silva e Aguinaldo Pires Couto -, a companhia não tem ações em Bolsa e opera a mina da Cachoeira, que está situada nos municípios de Araçuaí e Itinga (MG), no coração do agora chamado Vale do Lítio.
Mesmo com outras empresas chegando e montando projetos nas imediações, a CBL vê espaço para lançar um plano de expansão das atuais operações, ao mesmo tempo em que investe para ampliar suas reservas do mineral, hoje de 6 milhões de toneladas. A empresa é a única no País com atuação integrada na indústria de lítio – vai da mina ao produto químico refinado.
O projeto em estudo prevê dobrar a produção de concentrado das atuais 45 mil toneladas por ano, volume previsto para este ano. Na planta de industrialização química, que fica em Divisa Alegre, distante 180 km (quase na divisa com Bahia), o plano é também triplicar a capacidade de produção de carbonato e hidróxido de lítio, indo a 6 mil toneladas por ano de LCE – o carbonato de lítio equivalente, ou LCE (sigla em inglês), é a referência no mercado.
Com a expansão, a ideia é transformar em compostos químicos de alta pureza em Divisa Alegre metade da produção de concentrado a ser gerada em Araçuaí, agregando valor ao lítio. Para a outra metade (45 mil toneladas) o plano é abastecer a demanda no mercado global – a China é o grande consumidor, mas Europa e EUA despontam como clientes relevantes.
“Somos a única produtora fora da China que converte concentrado de lítio tipo espodumênio (extraído de rocha dura) em material de uso direto (carbonato e hidróxido) na fabricação de células para os packs de baterias”, diz Vinícius Alvarenga, CEO da companhia, no cargo há cinco anos.
Na unidade química, a CBL faz carbonato com 99,5% de pureza, elemento que supre fabricantes de baterias para carros elétricos e acumuladores de energia de alta potência; carbonato específico para uso farmacêutico; e material (98,5%) para indústrias cerâmicas e de metalurgia. Também produz hidróxido para usos em graxas, lubrificantes e vidros especiais.
Abrindo mercados no exterior
“Desde 1991, com muito sacrifício devido às condições difíceis da região na época, a CBL extrai, beneficia e processa o mineral”, diz Couto, acionista da empresa desde sua criação, em 1985. “Conseguir levar energia elétrica para Divisa Alegre foi uma grande aventura, além da falta de mão de obra qualificada na região. A escolha do local, na época, para a unidade química visou acesso aos incentivos da antiga Sudene.”
Alvarenga informa que quase metade da produção obtida na unidade química é vendida no mercado nacional para indústrias diversas. “Somos fornecedores únicos das 200 toneladas que o Brasil consome de lítio por ano para fabricação de medicamentos. Dois terços são comprados pelo governo e o restante por laboratórios privados”, informa.
Cerca de 1,1 mil toneladas de LCE são exportadas para vários mercados. Desse volume, quase metade vai para a Índia para uso na fabricação de baterias. Segundo o executivo, a empresa vem passando por qualificações técnicas para vender o produto para China, Japão, Coreia do Sul e Alemanha. Esse seria um motivo de o projeto de triplicar a produção em dois a três anos.
Conforme o CEO, no futuro, com crescimento do mercado de carros elétricos, o Brasil poderá atrair, ao menos, uma unidade de produção de células lítio para baterias. A chinesa BYD tem anunciado que em 2025 começa a montar carros elétricos (híbridos e 100% elétricos) na fábrica de Camaçari (BA). Outras montadoras também informaram planos para o País.
De 2020 ao ano passado, a CBL mais que triplicou a produção de concentrado de lítio, indo de 11 mil para 37,3 mil toneladas, também ampliando a oferta de material refinado (1,1 mil toneladas de LCE). Ainda aproveitando uma parte de preços em alta em 2023, a empresa registrou receita líquida recorde de R$ 783,3 milhões. O lucro líquido alcançou R$ 369,6 milhões, informou a companhia.
Com a depressão dos preços, a previsão é de forte queda neste ano, mesmo fazendo 45 mil toneladas de concentrado e 1,75 mil de carbonato e hidróxido. O plano de negócio aprovado pelo conselho de administração da CBL projeta receita de R$ 325 milhões e ganho final abaixo de R$ 100 milhões.
Cenário favorável ao produtor de baixo custo
O CEO da CBL afirma que, no longo prazo, o lítio tem perspectivas de continuar um negócio de boa rentabilidade aos produtores. São esperados preços entre US$ 20 mil e US$ 25 mil para a tonelada de carbonato. “Esse valores conferem boa remuneração aos investimentos. Mas paira no ar o risco para o caso de as curvas de crescimento do carro elétrico não se confirmarem como esperado”, observa. Ele diz que o custo da CBL, hoje, é um dos mais competitivos do mundo (entre os 25 mais baixos do setor).
Para os níveis de custo-caixa de produção, de US$ 550 a tonelada de concentrado localmente, avalia-se que produtores no Brasil são competitivos. Mas ressalva que, ao contrário do que falam, o lítio é abundante no mundo e há muitas reservas minerais e projetos anunciados. “Competitividade e know-how para fazer produtos de maior valor agregado são mais relevantes do que deter enormes volumes de recursos minerais”, afirma.
Wilson Brumer, membro do conselho de administração da CBL, afirma que, acima de tudo, a empresa tem de ser competitiva internacionalmente. Por isso, destaca, a CBL trabalha seu plano de negócio para o novo salto avaliando bem o cenário futuro dessa indústria. “Adotamos padrão mundial de auditoria para medição do potencial da reserva minerais da empresa, o Jorc (Joint Ore Reserves Committee)”. O executivo foi presidente da Vale, da BHP no Brasil e da Usiminas, entre outras empresas.
O consumo global de materiais de lítio é 95% puxado por baterias, sendo 10% para acumuladores de energia estacionários, afirma Alvarenga. Outros nichos industriais ficam com 5%. Relatórios de bancos e consultorias especializadas indicam que a demanda mundial por lítio, somente em baterias para carros, deve atingir 2 milhões de toneladas de carbonato equivalente (LCE) em 2030. A bateria de um carro 100% elétrico contém de 50 a 70 quilos de lítio, enquanto a de um híbrido plug-in varia entre 5 e 10 quilos.
Nessa indústria é imperativo escala de produção e custo, diz Liliam Yoshikawa, sócia e co-head da área de mineração do escritório de advocacia Machado Meyer. Segundo destaca, a China tem produção em alta escala e, por isso, domina a tecnologia de refino e fabricação de baterias. “Outros players, como Europa, desde 2021, vêm buscando se posicionar nessa indústria”, afirma.
A especialista vê perspectivas promissoras para o lítio, que está presente em todos os tipos atuais de baterias, mas observa que há uma corrida tecnológica, principalmente na China, para se obter materiais de menor custo. É o caso do íon de sódio, que ainda está sendo testado antes de entrar em escala industrial. Porém, traz algumas vantagens como menor risco ambiental e de explosão da bateria. “Não vejo como uma ameaça (ao lítio). Vai ter espaço para todos. Há aplicações que só cabem ao lítio. Eles serão complementares”.
Segundo Yoshikawa, projetos em nível de maturação maior e com minério com menor custo de ser extraído têm condições de suportar um preço mais achatado. “Varia de empresa para empresa e de cada plano de negócio”, diz, lembrando que quem segue desesperado por projetos de lítio é quem tem demanda contratada. Por isso, a corrida desenfreada que se viu de montadoras de automóveis para garantir suprimento da matéria-prima.
No futuro, lembra Alvarenga, um potencial concorrente do lítio primário será a reciclagem de baterias. A reciclagem, a partir da próxima década, tende a se transformar num grande negócio, pois tem vida útil de seis a nove anos. Em um carro puramente elétrico representa de 40% a 50% do valor.
Fábrica de baterias no Brasil é um desafio
Ricardo Bastos, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), diz que a produção de carro elétrico no mundo continua em crescimento, o que requer expansão da cadeia de fornecedores de matérias-primas (lítio, cobalto, níquel, grafita, manganês, nióbio, cobre e outros minerais) bem como de componentes. No País, segundo ele, em 2030 a previsão é que 35% dos carros em circulação sejam elétricos – entre híbridos e elétricos puros.
“O mercado não esfriou, O que se viu foi a corrida de alguns países para o carro elétrico e agora também para o modelo híbrido plug-in”, afirma o executivo. O Brasil, observa, tem uma tendência maior em adotar o modelo plug-in por dispor de biocombustível. “A redução do custo da bateria e de outros componentes torna o carro elétrico mais acessível”. É um fator de impacto na baixa de preços das matérias-primas, como o lítio.
Na visão de Bastos, o País poderá abrigar uma fábrica de baterias para carros elétricos, a depender de custo de implantação, escala de produção de veículos, estímulos de governo e também da disposição das montadoras de trabalharem com uma única fonte fornecedora de baterias. Além de atender a produção local de carros, o Brasil poderá ser um grande exportador para Europa e EUA. A tecnologia mais avançada, atualmente, é chinesa.
Nova fronteira de exploração no vale do Jequitinhonha
Com cerca de 60 municípios, na porção nordeste de Minas Gerais, a região do Vale do Jequitinhonha é uma das mais pobres e carentes do Brasil, com um dos mais baixos Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País.
Segundo as informações do governo de Minas Gerais, com os projetos anunciados, estima-se que a produção de concentrado de lítio deverá, entre 2028 e 2030, atingir produção de 1 milhão a 1,2 milhão de toneladas de concentrado. Isso tornaria o País uma relevante fonte global dessa matéria-prima para a indústria de mobilidade elétrica.
Atualmente, no chamado Vale do Lítio – formado por 14 municípios, com destaque para Araçuaí e Itinga -, há duas empresas em produção: a CBL, há três décadas, e a Sigma Lithium, que iniciou operações em abril de 2023 e já anunciou uma segunda linha de produção, contando com financiamento do BNDES. Neste ano, as duas projetam produzir 315 mil toneladas, sendo 270 mil da Sigma.
Há outros três projetos na mesma região: da americana Atlas Lithium – que espera iniciar produção no início de 2025, mas ainda aguardando as licenças do órgão ambiental -; da australiana Latin Resources; e da canadense Lithium Ionic. As duas últimas ainda em fase de investimentos em prospecção de reservas em suas áreas de concessões.
No Vale das Vertentes, região central do Estado, entre os municípios de Nazareno e São Tiago, o grupo europeu AMG explora lítio junto com o mineral de tântalo. A empresa elevou recentemente sua capacidade de 90 mil para 130 mil toneladas de concentrado ao ano, segundo informação do CEO da AMG Brazilian Holding, Fabiano Costa, em recente palestra. A AMG tem plano de montar uma planta de conversão de concentrado em carbonato grau técnico. O investimento é previsto em US$ 270 milhões para produzir 17 mil toneladas.
Uma decisão que favoreceu a indústria do lítio no País foi o decreto do governo federal,11.120, de 2022, que flexibilizou o comércio do mineral ao exterior. O decreto dispensa autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para a exportação de lítio, o que era necessário até então. (O Estado de S. Paulo Online/Ivo Ribeiro)