O Estado de S. Paulo/Jornal do Carro
“Quem quer ficar na fila de espera para recarregar a bateria na volta de uma viagem domingo à noite? Por isso, eu digo: no Brasil, devemos considerar também os modelos híbridos”
“Daqui a dez anos, o mercado de vans no País será elétrico, porque é o modelo ideal para o trabalho da chamada última milha, na qual os veículos rodam 100, 120 quilômetros por dia”
O presidente da JAC Motors Brasil, Sergio Habib, tomou uma decisão ousada quando restringiu o portfólio dos carros da marca aos veículos elétricos. Isso porque, como ele mesmo define, trata-se de um nicho de mercado e que sofreu um duro golpe no País no início do ano, com a cobrança de impostos de importação, que aumentará até alcançar 35% em 2026.
Por isso, ele dá um passo para trás e prepara o lançamento da picape Hunter, nas configurações elétrica e turbodiesel. Ainda assim, arrojado em suas iniciativas, Habib segue a venda de elétricos nas concessionárias da marca e aposta que a JAC vai liderar o cenário de veículos comerciais movidos a bateria em dez anos, conforme revelou na entrevista ao Mobilidade.
O senhor considera uma decisão acertada a JAC vender apenas veículos elétricos no País?
O mercado é pequeno, mas apostei só na venda de veículos elétricos porque acreditava no crescimento do segmento. Foi uma decisão acertada. Mas aí o governo federal mexeu na alíquota de importação, que hoje é de 10% e chegará a 35% em 2026. No início do ano, as vendas de elétricos subiram, porque as marcas tinham uma cota com isenção. Vamos avaliar se elas mudarão suas estratégias na medida em que o imposto aumentar. Diante disso, a JAC está pronta para lançar a picape Hunter, nas versões elétrica e turbodiesel.
O aumento gradativo da alíquota de importação comprometerá as vendas?
Está claro que os elétricos seguirão como nicho. O interessado na compra de um carro movido a bateria não abre mão da tecnologia de última geração. É aquela pessoa que está entre os primeiros da fila para comprar o celular mais moderno e, em seguida, mostrá-lo na turma de amigos. Há também o consumidor que aprecia a novidade e planeja comprá-la. E tem os conservadores, que esperam mais tempo.
Ao mesmo tempo que vende carros elétricos, o senhor é crítico em relação a eles, não?
Não há como não ser. Vou fazer uma comparação. A história está cheia de casos de equipamentos que facilitaram a rotina das famílias, como televisão em cores, computador, máquina de lavar roupa e geladeira. Rapidamente, todo mundo percebeu que era melhor ter cada um desses aparelhos do que não ter. Mas, no caso do carro elétrico, a indústria automotiva cometeu um erro de avaliação. Ele tem um problema sério: “onde eu carrego”?
Mas a infraestrutura de recarga não está em expansão no Brasil?
Está longe do ideal. Veja o que ocorre em grandes cidades. Na França, a participação de veículos elétricos na frota é 17%, mas na Grande Paris é 6%. Em Nova York (Estados Unidos) é 3%. A maioria dos prédios das cidades que dispõem de rede de metrô não possui garagem, porque os trens passam no subsolo. Aí, pouca gente compra carro elétrico, pois não terá onde recarregar no local onde mora. Não quer depender apenas de pontos públicos.
Fazer grandes percursos, então, é um risco?
Viajar no Brasil é um perrengue. Quem mora em Salvador (BA), por exemplo, nem arrisca. Em média, um carro elétrico possui autonomia de 400 quilômetros, desde que ande entre 80 e 90 km/h. A 120 km/h, ela cai para 300 quilômetros. A família viaja angustiada, com medo de ficar na estrada. Quem quer ficar na fila de espera para recarregar a bateria na volta de uma viagem domingo à noite? Por isso, eu digo: no Brasil, devemos considerar também os modelos híbridos. Agora, se a ideia é andar somente na cidade, então o carro elétrico é perfeito.
Suas restrições se estendem para o mercado global de elétricos?
Em 2023, os Estados Unidos venderam 1,1 milhão de elétricos em um mercado de 15 milhões. Só na Califórnia, foram 500 mil unidades emplacadas, além de 250 mil na Flórida e no Texas. O aumento foi alavancado pelo apoio do governo, que oferece US$ 15 mil de bônus para quem compra um veículo com essa tecnologia. Um Tesla de US$ 45 mil sai por US$ 30 mil. Quem não quer? Eu quero! Os Estados menores se encheram de carregadores. Só que o governo estuda acabar com esse incentivo e começar a cobrar pedágio dos elétricos. Já a Alemanha é um dos países mais rigorosos em conter déficit nas contas públicas. Quando percebeu que o número de elétricos estava crescendo demais, ela encerrou o subsídio oferecido de US$ 4,5 mil. Já nos países de renda mais baixa, as vendas não são boas. As pessoas não têm dinheiro para comprar dois carros, tampouco um elétrico.
A JAC também vende veículos comerciais elétricos no Brasil. O cenário para esse tipo de carro é diferente?
Daqui a dez anos, o mercado de vans será elétrico, porque é o modelo ideal para o trabalho da chamada última milha, na qual os veículos rodam 100, 120 quilômetros por dia. A JAC chamará atenção nesse mercado. Por quê? Porque nossos modelos são excelentes, aguentam mais e não quebram. E quando dá algum problema, a manutenção é rápida. Afinal, a rede de concessionárias está muito bem treinada e equipada para atender especificamente carro elétrico. Quem vende automóvel com motor a combustão divide o foco. Ali, vai aparecer um veículo elétrico a cada dois anos. Você acha que alguém saberá consertá-lo? O cliente permanecerá um mês sem o carro, enquanto na JAC ficará apenas dois dias.
Sua avaliação dos caminhões elétricos também é otimista?
Metade do mercado brasileiro de caminhões roda aproximadamente 200 quilômetros por dia. Em dez anos, ele também será elétrico e com 90% de participação da JAC. Uma empresa de logística disse, recentemente, que fez a conta com caminhão elétrico na frota e chegou à seguinte conclusão: a cada 100 caminhões elétricos, ele poderá ter um menos, por causa da economia. Afinal, ele não quebra e, ao quebrar, o conserto é rápido. (O Estado de S. Paulo/Jornal do Carro/Mário Ségio Venditti)