Brasil largou atrás, mas tem potencial para ser líder em hidrogênio verde

O Estado de S. Paulo

 

País tem vantagens para deslanchar produção, por já usar parcela expressiva de energia de fontes renováveis.

 

No mesmo domingo em que chegou da Europa, o alemão Robert Habeck cruzou o centro de Belo Horizonte rumo a uma região pouco frequentada por turistas estrangeiros. Habeck foi ao lançamento da pedra fundamental do que deve se tornar a primeira fábrica de equipamentos para produzir hidrogênio verde na América Latina. A alemã Neuman & Esser (NEA) gastou R$ 70 milhões para levantar a estrutura que, no prazo de um ano, seria capaz de entregar os geradores de hidrogênio verde para grandes projetos de usinas no Brasil. Mas não foi bem isso que aconteceu.

 

“Tivemos um pequeno atraso. O cronograma para operar em abril ou maio de 2024 passou para agosto ou setembro. E em novembro faremos a inauguração oficial”, afirma Marcelo Veneroso, CEO da Neuman & Esser no Brasil. Parte das licenças ambientais para a expansão da fábrica havia sido concedida, mas a aprovação na prefeitura de Belo Horizonte para a construção demorou a sair. “O solo estava pronto, era só subir as paredes”, disse Veneroso, ao Estadão, no período em que a empresa aguardava a última etapa burocrática. Agora, garante ele, a obra está a pleno vapor.

 

Tema da segunda reportagem da série do Estadão sobre projetos de transição energética no Brasil, o hidrogênio verde é a grande aposta do mundo para substituir os combustíveis fósseis e reduzir as emissões de carbono do planeta. O mercado é promissor para o Brasil, que pode oferecer um dos hidrogênios mais competitivos do mundo. E a história da Neuman & Esser em Belo Horizonte é uma

 

alegoria do que ocorre no País: o potencial é alto, com promessa de empregos e investimentos, interesse estrangeiro, e os projetos ligados ao hidrogênio verde têm tudo para sair do papel. Mas ainda não saíram.

 

No mundo inteiro, países correm para fazer a produção de hidrogênio verde deslanchar. Na semana passada, a Enap, estatal chilena de óleo e gás, anunciou que a empresa Neuman & Esser será responsável por construir uma planta de hidrogênio verde que deve começar a operar em 2025.

 

“Se o Brasil está preparado para aproveitar essa oportunidade? Ele está se preparando. Outros países estão numa velocidade muito maior. Só que outros países não têm as características favoráveis que o Brasil tem”, afirma o pesquisador e professor da Universidade Federal de Santa Catarina Ricardo Rüther.

 

Produção

 

O hidrogênio precisa usar fontes de energia renováveis para ser considerado “verde”. É como o Brasil sai na frente. No mundo, fontes renováveis como solar e eólica correspondem a 2,7% da matriz energética. Quando são somadas a fonte hidráulica e a biomassa, essa fatia chega a 15%. No Brasil, com a diversidade de fontes renováveis, opção pelas hidrelétricas e uso de biomassa de cana-de-açúcar, a energia de fontes renováveis já corresponde a 47,4% da matriz.

 

Enquanto o restante do mundo se baseia em combustíveis fósseis para gerar energia, o Brasil faz uso dos recursos renováveis, e se beneficia, por exemplo, da abundância de rios, variação de altitude e precipitação, para a geração da energia hidráulica. Também conta com condições favoráveis de vento e de incidência solar para explorar o mercado de renováveis.

 

“O Brasil tem um potencial enorme por já ter uma parcela bastante alta de energia renovável. O País tem condições bastante competitivas para gerar energia limpa”, diz Peter Terwiesch, executivo da ABB, multinacional suíça que fornece tecnologia de eletrificação que pode ser usada na produção de hidrogênio verde.

 

A McKinsey estima que toda a cadeia de valor do hidrogênio verde, da geração à exportação, pode movimentar US$ 200 bilhões (por volta de R$ 1 trilhão) no Brasil até 2040.

 

O Nordeste se destaca ainda mais pela localização, que facilita a exportação do produto para a Europa e por ter uma matriz energética mais limpa do que a média brasileira. Até agora, Estados da região têm concentrado os anúncios de projetos de usinas de hidrogênio, com o Ceará em primeiro lugar. O porto de Pecém se prepara para ser o principal polo do combustível no Brasil. Há cinco pré-contratos para construção de usinas de hidrogênio verde anunciados, que somam US$ 8 bilhões (R$ 40 bilhões) de investimento.

 

As empresas que já assinaram esses acordos são: AES, Casa dos Ventos, Fortescue, Cactus Energia e uma quinta, cujo nome é mantido em sigilo. No pré-contrato, o investidor já reserva a área desejada dentro da Zona de Processamento e Exportação (ZPE) do Complexo de Pecém, e começa a pagar pelo aluguel da área.

 

Há ainda 36 memorandos de entendimento firmados em Pecém. Nesse caso, a empresa firma um acordo com o Complexo do Pecém para a realização dos estudos preliminares de viabilidade do projeto.

 

Procura

 

A oportunidade atraiu interesse estrangeiro. De olho no potencial do hidrogênio verde, o Porto de Roterdã, o maior da Europa, fez uma parceria com o de Pecém e investiu € 75 milhões (R$ 407 milhões) no complexo industrial.

 

Suape, em Pernambuco, e Açu, no Rio, também trabalham para atrair recursos aos seus “hubs” de hidrogênio verde.

 

Nos três portos, porém, não há nem sequer uma obra para instalação das usinas em andamento.

 

Em Suape, são 16 os memorandos de entendimento para projetos de hidrogênio. Embora os memorandos sejam apenas um sinal da intenção da empresa em se instalar no local, há otimismo de que parte dos projetos se concretize. Em Açu, há apenas acordo para estudos de viabilidade fechados com a espanhola Neoenergia, a chinesa SPIC e as brasileiras Comerc e Casa dos Ventos.

 

Apesar de a tecnologia para obter o hidrogênio verde, a eletrólise, ter 200 anos, ela vem ganhando a atenção de empresas e investidores recentemente devido ao potencial de gerar energia sem emissões. O contexto geopolítico mundial, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, também fez o mundo prestar mais atenção à fonte alternativa de energia.

 

No processo de eletrólise da água, o hidrogênio é separado do oxigênio por meio de corrente elétrica. Depois, ele pode ser armazenado na forma de gás em botijões ou transformado em amônia para ser transportado. Ao chegar ao local de uso, precisa ser reconvertido em hidrogênio. Há outros tipos de hidrogênio, como azul, cinza e marrom, classificados assim a depender da fonte de energia.

 

Atualmente, a demanda anual por hidrogênio cinza (produzido a partir de combustíveis fósseis, como o gás natural) é de 96 milhões de toneladas por ano. Esse produto é usado, principalmente, em fertilizantes e na indústria de aço, e poderá ser substituído pelo verde.

 

A maior demanda no futuro, entretanto, deve vir de setores em que hoje o hidrogênio não é explorado, como no transporte e em outros processos industriais. Há, por exemplo, estudos para utilizá-lo como combustível de avião, navio e caminhões. “Com certeza, a demanda será muito maior do que a que se tem hoje pelo hidrogênio cinza”, diz o diretor de estratégia e novos negócios da consultoria Thymos, especializada em energia, Jovanio Santos. (O Estado de S. Paulo/Beariz Bulla e Luciana Dyniewicz)