O Estado de S. Paulo
Ministro de Minas e Energia e presidente da Petrobras divergem sobre projeto de lei de biocombustíveis.
Além da divergência sobre a distribuição dos dividendos extraordinários da Petrobras, o duelo público entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da estatal, Jean Paul Prates, tem um outro pivô – este mais afastado dos holofotes.
Ambos travam uma batalha sobre um mercado que, no ano passado, rendeu R$ 161 bilhões para a petroleira. Produtores de biodiesel, incentivados por Silveira, e a Petrobras disputam nacos da venda de diesel que estão sendo alterados por projeto de lei que hoje tramita no Senado e mobiliza o setor produtivo.
O embate se dá porque o projeto, chamado de “Combustível do Futuro”, fixa que o diesel – o principal produto vendido pela Petrobras – terá uma mistura crescente de combustível de origem vegetal (biodiesel e diesel verde) a partir do ano que vem.
Hoje, 14% do diesel vendido nas bombas é composto por biodiesel, produzido principalmente com óleo de soja. A lei fixa que o porcentual deverá chegar a 20% até o fim desta década; e, a partir de 2031, poderá alcançar 25%. Além disso, o texto reserva outros 3% para o HVO ou diesel verde – que é fabricado a partir de óleos vegetais, como de soja e de palma, além de gorduras animais.
Se o texto for aprovado no Congresso, a presença do diesel de origem vegetal a cada litro vendido nas bombas pode dobrar – subir dos atuais 14% para 28%. Em termos financeiros, levando-se em consideração o quanto a Petrobras obteve em receita líquida com o combustível no ano passado, se trata de uma disputa que neste ano custaria R$ 22,4 bilhões à empresa.
Durante a tramitação do projeto na Câmara, a Petrobras tentou incluir no porcentual reservado ao diesel de origem vegetal o combustível sintético que só ela produz, chamado de R5, alegando que ele também tem uma parcela renovável. A investida bateu de frente com os interesses do agronegócio e foi brecado pelos votos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e pela Frente do Biodiesel.
“É uma defesa legítima da Petrobras, em termos do negócio dela, mas é um hidrocarboneto (derivado do petróleo). Ela pode usá-lo para substituir o diesel que ela já vende, mas não podemos contaminar o projeto dos biocombustíveis autorizando a entrada de um derivado do petróleo”, afirma o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que preside a Frente do Biodiesel.
O tema, porém, está de volta à arena na tramitação do projeto de lei no Senado, pois a relatoria ficou com o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que preside a Frente de Energia, ligada ao setor do petróleo. Pessoas ligadas ao setor de biocombustíveis veem as digitais de Prates na articulação política que fez com que o tema ficasse com Veneziano, o que ajudou a inflamar o antagonismo do setor contra a Petrobras.
Reunião
Na última sexta-feira, em meio à crise provocada pela incerteza sobre a sua permanência no cargo, Prates recebeu no edifício-sede da Petrobras, no Rio, representantes do setor do etanol e do biogás, num aceno aos produtores de biocombustíveis e ao agronegócio.
Na conversa, segundo relatos obtidos pelo Estadão, Prates enfatizou que não é contra a produção de novos combustíveis. O executivo crê que essa leitura deriva de uma campanha contrária patrocinada pelo ministro de Minas e Energia. Ele sinalizou que a Petrobras não vai se opor à mistura do biometano ao gás natural, outra inovação contra a qual a estatal se colocou na votação da Câmara, e que também não trabalhará contra o aumento da mistura do etanol na gasolina.
Segundo pessoas próximas ao assunto ouvidas pelo Estadão, esses dois mercados não são relevantes na receita da companhia a ponto de interferir na rentabilidade da empresa, diferentemente da situação do diesel. Na divulgação dos resultados de 2023, a Petrobras informou que o diesel e a gasolina responderam por 74% da receita com a venda de derivados no mercado brasileiro.
Mas Prates, segundo pessoas a par da negociação, deseja avançar e negociar também com os produtores de biodiesel, em um gesto que tende a aproximá-lo de setores que se transformaram em inimigos nos últimos meses. O argumento é de que, mesmo antes de chegar à Petrobras, ele defendeu alternativas ao petróleo.
Nos bastidores, emissários da Petrobras estão acenando que a empresa não vai interferir nos porcentuais dedicados ao biodiesel, mas tentará inserir o R5 nos 3% reservados ao HVO ou diesel verde. O produto ainda não é fabricado no Brasil, o que reduziria a oposição à ideia. A investida, no entanto, ainda enfrenta resistências. Fabricantes de biodiesel alegam que isso daria uma reserva de mercado para um produto feito exclusivamente pela Petrobras, ao passo que o HVO poderia ser produzido por empresas privadas.
Adriano Pires, que é sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), afirma que a produção de biocombustíveis é um diferencial brasileiro. “Não podemos abrir mão disso, temos que dar previsibilidade para quem vai produzir, para quem vai plantar.”
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou. Em nota, a Petrobras informou que defende que apenas a parcela do R5 que é composta por combustível renovável (5%) seja incorporada à fatia reservada ao biodiesel. Segundo a companhia, o combustível é produzido em quatro refinarias e afirma que “traz mais uma opção ao mercado para alcançar níveis mais elevados de descarbonização”.
“É uma defesa legítima da Petrobras, em termos do negócio dela, mas é um hidrocarboneto (o R5). Ela pode usá-lo para substituir o diesel que ela já vende, mas não podemos contaminar o projeto dos biocombustíveis autorizando a entrada de um derivado do petróleo”, Alceu Moreira (MDB-RS) Frente do Biodiesel. (O Estado de S. Paulo/Mariana Carneiro)