O Estado de S. Paulo
O Brasil está diante de uma oportunidade única. A necessidade urgente de o mundo reduzir as emissões de carbono para segurar o aumento da temperatura global – que desencadeou uma transição das tecnologias energéticas baseadas em combustíveis fósseis para as renováveis – dá ao País a chance de criar 6,4 milhões de empregos (o equivalente a 14,6% das vagas com carteira assinada) e aumentar o PIB em US$ 100 bilhões, ou 4,7% do valor atual.
Privilegiado por ter fontes de energia renovável, como água, vento e incidência solar, o Brasil é um dos países que teriam menos dificuldade para zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050 (conforme se comprometeu no Acordo de Paris). Para zerar as emissões, um país tem de remover da atmosfera o mesmo volume de gás carbono que emite. Isso pode ser feito plantando árvores e restaurando pastagens, que absorvem gases, ou adotando tecnologias que capturam os gases e os armazenam no subsolo, por exemplo.
Para o Brasil, é relativamente fácil atingir esse equilíbrio entre a quantidade de gases lançada no ar e a retirada, porque, no País, o grande vilão das emissões é o desmatamento – em grande parte, feito para dar espaço à pecuária. Se o Brasil cessar a derrubada de florestas, poderá avançar rapidamente e se tornar protagonista desse novo mundo, fornecendo soluções a terceiros. O tempo para isso, porém, é curto.
O Estadão viajou ao Sul e ao Norte do País para mostrar em qual estágio estão os grandes projetos de transição energética. A partir de hoje, uma série de reportagens especiais conta as histórias das iniciativas que prometem colocar o Brasil na dianteira da nova economia mundial. Histórias para entender o potencial do hidrogênio verde, a convivência entre agronegócio e preservação ambiental, a necessidade de mineração com menor impacto, o nascimento de um mercado de crédito de carbono, o avanço dos biocombustíveis e o futuro do transporte.
O trabalho de apuração da série começou no segundo semestre de 2023 e foi financiado, em parte, por uma bolsa da empresa Meta, dentro do Facebook Journalism Project (FJP). As reportagens multimídia envolveram o trabalho de 25 profissionais, oito viagens e mais de cem entrevistas.
A conta para a descarbonização brasileira é mais barata graças às suas fontes de energia. Enquanto parte do mundo precisa trocar o carvão por uma fonte limpa, o Brasil já tem 48,5% de sua matriz energética ligada a fontes renováveis, como água e vento. A média no mundo é de 15%. “Investir em descarbonização no Brasil não é só sobre zerar as emissões líquidas, é sobre criar um benefício econômico relevante. Pelas nossas características, temos uma grande competitividade nas cadeias para descarbonizar a economia global”, diz Henrique Ceotto, sócio da consultoria McKinsey
Oportunidades
O Brasil é competitivo em diversas frentes do processo de descarbonização em que os países terão de investir nos próximos anos para alcançar as metas estabelecidas. O País pode vender crédito de carbono – uma ferramenta criada para compensar a emissão de gases poluentes, pela qual quem emite muito pode comprar créditos de quem preserva ou recupera florestas. Pode exportar hidrogênio verde, a grande aposta do mundo para substituir o petróleo. Produzido a partir da água, ele não gera gases e pode ser transformado em amônia para ser enviado a outros países em navios. Pode aproveitar a expertise adquirida com o etanol e explorar matérias-primas como macaúba e soja para vender biocombustíveis no mercado internacional.
Para aproveitar essas oportunidades, no entanto, não basta zerar as emissões, mas ter emissões negativas, isto é, retirar mais gases da atmosfera do que emite. É preciso, por exemplo, preservar florestas, regenerar pastos (que também absorvem carbono), além, claro, de reduzir as emissões.
É no cenário de emissões negativas que os investimentos em energia limpa podem gerar até 6,4 milhões de vagas de emprego e o PIB ganhar US$ 100 bilhões. Na hipótese de o Brasil apenas zerar o quanto emite de carbono, esses números caem para 3,8 milhões e US$ 34 bilhões. “O caminho para zerar as emissões é sem graça. Aquele que de fato cria uma oportunidade, um motor verde para a economia, é o que torna o País carbono negativo em 2050”, diz Henrique Ceotto, sócio da McKinsey.
O Brasil, no entanto, não pode perder tempo. Os países têm uma janela apertada para o tamanho da transformação que precisam realizar. Apesar de a meta global mirar em 2050, parte dos objetivos tem de ser cumprida até 2030. “Precisamos de marcos no caminho. É fácil colocar um objetivo para 2050. O difícil é chegar lá. Se olharmos os prazos mais curtos, era de se esperar que já houvesse resultados para mostrar”, diz Arthur Ramos, sócio da consultoria BCG.
Atrasados
Por ora, a conclusão é que, ao menos no Brasil, investimentos e políticas públicas estão atrasados. “O País ainda não tem como alcançar as metas. Não tem um estudo que indique o que cada setor precisa fazer”, observa Ramos. Os especialistas, no entanto, reconhecem que, após um longo período de agenda travada em Brasília, os projetos que impulsionam a transição energética ganharam velocidade nos últimos seis meses – embora ainda insuficiente.
Os investimentos na transição energética – que incluem, por exemplo, usinas de hidrogênio verde e de biocombustível – precisam chegar a US$ 165 bilhões por ano no País. Ceotto contabilizava, até setembro de 2023 (último dado disponível), US$ 65 bilhões em projetos, que deverão ser executados ao longo de vários anos. “A ordem de grandeza já diz que estamos atrasados.”
Sócia da consultoria Bain, Daniela Carbinato pondera que a maior parte das grandes economias deu tração à transição nos últimos anos, mas que todos têm consciência de que é preciso acelerar o passo. “Nenhum país está onde gostaria. Executivos de empresas de energia mostram desconforto com a velocidade.”
Ela destaca que companhias privadas de setores que passarão por uma transformação disruptiva, como as de energia e as de cadeias que geram muito carbono, caso das siderúrgicas, estão trabalhando ininterruptamente em soluções que permitam a sobrevivência de seus negócios. “Elas enfrentarão mudanças muito complexas e o retorno dos investimentos, além de ser de longo prazo, tem um grau de risco elevado.”
No geral, porém, as companhias ainda dependem de um arcabouço regulatório claro para definir suas estratégias. Segundo a subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, a agenda de transição energética é prioridade para o governo e o fato de alguns projetos terem sido aprovados pelo Congresso no primeiro ano do governo é motivo para comemorar. No fim de 2023, por exemplo, a Câmara dos Deputados aprovou o PL que regulamenta o mercado de carbono. Porém, há muito ainda a ser feito no âmbito regulatório. (O Estado de S. Paulo/Luciana Dyniewicz e Beatriz Bulla)