O Estado de S. Paulo/Broadcast
O Ministério dos Transportes estabeleceu em portaria que as praças de pedágios das rodovias federais deverão, a partir de junho deste ano, oferecer opções de pagamento em Pix e cartões de débito e crédito. Contudo, a avaliação interna das concessionárias é de que os desafios técnicos, principalmente para o Pix, farão com que a diretriz do governo tenha efeito limitado, sem qualquer perspectiva de prazo para que se torne realidade.
A portaria, divulgada no último dia 8, prevê que o detalhamento das regras será feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que deverá, por exemplo, definir o número mínimo de cabines a serem equipadas para o Pix em cada praça.
No texto, o Ministério dos Transportes diz que é preciso disponibilizar as alternativas “garantindo a eficiência e a praticidade na cobrança das tarifas”. Porém, um dos diagnósticos prévios do setor é de que a nova modalidade poderá representar aumento de custos e de tempo para os motoristas.
O País tem 26 concessões de rodovias federais, que juntas somam 174 praças de pedágio. Dessas, apenas três já possibilitam a opção de pagamento por Pix, sendo todas na BR-163, corredor de escoamento de grãos gerido pela Via Brasil.
O pagamento com cartão de crédito e débito está mais difundido. Conforme dados da Associação Brasileira de Concessionária de Rodovias (ABCR), entre suas 21 concessionárias federais associadas, 85% dão opção de débito e 54% aceitam crédito.
“A diferença é que o Pix carrega um conjunto de desafios de cunho prático”, afirma um dos representantes consultados pela reportagem, que pediu para não ser identificado. A cautela é para que as posições não criem rusgas precipitadas com o governo federal antes das definições finais da ANTT.
“Criou-se a ideia de que as concessionárias têm aversão a pagamentos eletrônicos por motivos escusos. A questão é técnica e de custos”, afirma um gestor de uma das concessionárias. Segundo o mesmo representante, a expectativa é de que, diante dos entraves, a ANTT deverá estabelecer filtros técnicos que devem limitar a obrigatoriedade de adoção do Pix.
Internet
O primeiro desafio citado pelas concessionárias – e o de maior peso técnico – é a conexão com redes de internet e telefonia. Em parte das praças situadas na zona rural, o sinal é limitado ou inexistente. Para o pagamento com cartões, o problema pode ser superado a partir de redes de internet cabeada que alcançam as cabines. Já o Pix demanda que também o motorista esteja conectado à internet.
Para que todos estejam conectados pela rede móvel, é necessário que haja sinal de telefonia de todas as operadoras – distante do atual cenário de cobertura. Em entrevista ao Estadão/Broadcast uma semana após a divulgação da portaria, o ministro dos Transportes, Renan Filho, disse que esse problema pode ser contornado com a disponibilidade de sinal de Wi-Fi das praças de pedágio para os motoristas que escolherem pagar com o Pix.
Contudo, o compartilhamento de sinal de Wi-Fi com os motoristas, que pode ser pensado a partir de instalação de redes de satélite, é uma obrigação que não está prevista nos contratos das concessões anteriores a 2022 (90% das atuais).
Portanto, se for esse o caminho definido pela ANTT, as concessionárias dizem que cobrarão repactuação de seus contratos para incluir os novos custos. Argumentam ainda que a instalação dessa infraestrutura demandaria estudos para avaliação da real aplicabilidade.
“A realidade tenderá a se impor. Uma das possibilidades é de que a ANTT limite a obrigação do Pix para as praças que já têm sinal de telefonia”, diz um membro do setor. Outra alternativa, avalia, é a de que a agência reguladora estabeleça períodos de testes de funcionamento do Pix em algumas das praças e, só após um período determinado, com dados de impacto, amplie para as demais.
Filas
Mesmo após superar o desafio da conectividade, seja para praças com sinal de telefonia móvel, seja em um cenário de acesso dos motoristas por Wi-Fi, as concessionárias dizem que o Pix ainda poderá ser um problema. Dessa vez, pelo aumento de filas. “Se todos decidirem pagar por Pix, como fica?”, questiona um representante a partir da indicação da portaria do Ministério dos Transportes de que nem todas as cabines deverão ser equipadas com a nova opção.
Além da possível concentração nas cabines com Pix, outro fator de lentidão seria o processo de pagamento em si. O setor calcula que, na média, o atendimento em uma cabine de pedágio dura 12 segundos entre o início do atendimento e a liberação da cancela. Já a transação por Pix, em cálculos feitos por um dos representantes, levaria pelo menos 40 segundos.
“É preciso que primeiro o motorista faça a conexão com a internet, em seguida abra o aplicativo, encontre a ferramenta do Pix e só então confirme e finalize”, explica membro do setor sobre as etapas que poderão acarretar em lentidão das filas. “O receio é de que a adoção do Pix em larga escala se volte contra o motorista, que sofrerá com a fluidez das rodovias”, diz outro representante do setor.
Para o advogado Lucas Hellmann, especialista em contratos públicos do escritório Schiefler Advocacia, ainda que a tendência para esse cenário seja de aumento das filas, é possível que a prática seja diferente. “O comportamento dos usuários é imprevisível. A aversão natural às filas pode induzir à adoção de métodos mais rápidos, como tags de pagamento automático”, diz.
Custos
Em conversas reservadas, Campos Neto vem defendendo que o nome do sucessor deve sair a tempo de as sabatinas, feitas pelo Senado, ocorrerem ainda em 2024.
O último grande obstáculo na visão das concessionárias são os custos. Além dos gastos com as possíveis instalações de redes Wi-Fi, uma das concessionárias afirma que os bancos cobram dez centavos por transação para a confirmação de pagamentos por Pix.
“Será importante que o governo exerça cautela e seja criterioso ao avaliar pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, assegurando que as novas exigências não resultem em ‘cortesias com chapéu alheio’, ou seja, benefícios ao usuário que onerem indevidamente as empresas sem a devida compensação”, avalia Hellmann.
Pelo que prevê o artigo 37, inciso XXI da Constituição, está assegurado às concessionárias que sejam mantidas as condições da proposta que deu origem ao contrato. Diante do acréscimo de obrigações, o contrato deve ser repactuado.
Por isso, o custo extra que inicialmente será das empresas, poderá ser repassado aos usuários, o que inclui possíveis aumentos de tarifas. “A ação direta ou indireta do governo que impacta a concessão gera desequilíbrio que deverá ser compensado/indenizado. Em última análise, é o contribuinte quem pagará a conta”, afirma o advogado Rodrigo Figueiredo, sócio do RVF Advogados.
Alternativas
Para os representantes das concessionárias, o melhor caminho para avançar com o pagamento automático seria por meio das tags. O serviço é oferecido por empresas sem ligação direta com as concessionárias, mas que estabelecem parcerias com as mesmas.
Para utilizar, o motorista deve comprar um adesivo de QR Code, que custa o preço da recarga escolhida. O adesivo é colocado no para-brisa e se torna permanente para ser reconhecido automaticamente nas cabines. Há opções de planos mensais que podem tornar o valor do pedágio mais barato.
Um levantamento da EcoRodovias, operadora de concessões rodoviárias com maior malha do País, aponta que os pagamentos com tags entre os veículos de passeio saltaram de 41% em 2020 para 54% em 2023 na malha de suas concessionárias.
“Além de aumentar a segurança viária, a utilização da tag permite ao motorista ganhar tempo na viagem e economizar combustível por não precisar realizar a desaceleração e aceleração do veículo ao passar pela praça de pedágio, trazendo também ganhos ambientais com a redução nas emissões de CO2. O uso da tecnologia ainda proporciona que o motorista não se preocupe em sacar dinheiro antes das viagens”, diz a concessionária.
Em nota, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) diz que, neste momento, ainda não é possível comentar sobre o assunto e adiantar normas sobre a cobrança de pedágio pelo pagamento instantâneo.
“A agência destaca que a equipe técnica dará continuidade ao procedimento com o intuito de cumprir os prazos estabelecidos na portaria. As informações sobre as normas serão amplamente divulgadas para as concessionárias e população quando concluídas”, afirma em nota.
A Arteris, grupo que detém cinco concessões de rodovias federais, diz que suas concessionárias foram consultadas pela ANTT e estão levantando as necessidades técnicas e regulatórias para utilização do PIX nos pedágios e responderão à ANTT dentro do prazo solicitado.
A CCR, que faz a gestão de quatro concessões de rodovias federais, diz que aguarda a entrada em vigor da portaria para que o tema seja tratado em conjunto com a ANTT. A Triunfo Concebra, que administra duas concessões, diz que também aguarda a ANTT.
Para o diretor-presidente da ABCR, Marco Aurélio Barcelos, o Ministério dos Transportes cumpriu o seu papel de fomentar a política de ampliar a adoção do Pix nas rodovias. “O que precisamos agora é avaliar os meios técnicos para isso se tornar realidade. É o que buscaremos fazer em conjunto com a ANTT no prazo da portaria”, afirma Barcelos. (O Estado de S. Paulo/Broadcast/Luiz Araújo)