Déficit zero ganha ‘fôlego’ com receita forte e indefinições com o Congresso

O Estado de S. Paulo

 

Indefinições no Congresso sobre emendas e pautas que mexem com as contas do governo, além da negociação com empresas sobre outorgas e uma arrecadação mais forte no início do ano, servirão de carta na manga para que a equipe econômica evite um bloqueio expressivo de gastos no Orçamento já neste mês.

 

Na prática, as incertezas dão um fôlego à equipe econômica e jogam para frente a discussão sobre uma possível revisão da meta de déficit zero neste ano, estabelecida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

 

O primeiro relatório bimestral de receitas e despesas do ano, previsto para o dia 22, era considerado por especialistas em contas públicas como “a hora da verdade” sobre a meta fiscal e o grande teste de Haddad. Com o balanço, técnicos terão de apontar, formalmente, se o alvo fiscal será ou não cumprido. Em caso de sinalização de descumprimento, anunciar um bloqueio preventivo de despesas – o que poderia afetar investimentos, como PAC e emendas parlamentares.

 

Só que diversas incertezas orçamentárias – somadas a uma arrecadação mais forte que o previsto em janeiro e em linha com o esperado em fevereiro – devem adiar esse teste, possivelmente até para o segundo semestre, dando sobrevida à meta atual.

 

Medida provisória

 

A lista de indefinições é encabeçada pela medida provisória (MP) que extingue o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). O texto também anula benefícios previdenciários a municípios e limita compensações tributárias de empresas. Ou seja, três ações que, enquanto vigentes, possibilitam ao governo prever arrecadações mais expressivas.

 

O problema é que a MP já nasceu envolta em polêmica, sendo editada no apagar das luzes de 2023, à revelia do Congresso. Sua sobrevida, portanto, deve ser curta, apenas o suficiente para trazer alívio fiscal nesse primeiro relatório.

 

Prova disso é que o governo já teve de recuar na reoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia, que também estava prevista na mesma MP, mas foi anulada devido à pressão de parlamentares e empresários.

 

“Na prática, para o (relatório) bimestral, como a MP segue vigente, isso ajuda o governo a contar com a receita proveniente desse ‘combo’, ainda que a gente saiba que, no futuro próximo, isso vai mudar”, afirma o economista Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

 

“(Um bloqueio pequeno) Poderá dar força política ao Haddad para seguir com o plano de manter a meta fiscal, o que até agora deu certo. Em maio, contudo, haverá um novo teste”, Felipe Salto, Sócio da Warren Rena.

 

Lista

 

A lista de indefinições orçamentárias ainda é composta pelo veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão, alvo de críticas ferozes dos parlamentares. A análise desse dispositivo pelo Congresso, porém, só deve ocorrer após o bimestral de março.

 

Outro item cujo desfecho foi postergado para depois da divulgação do relatório é a cobrança de R$ 25,7 bilhões da Vale em outorgas não pagas na renovação antecipada de concessões ferroviárias. O valor está previsto no Orçamento, mas pode ser parcialmente frustrado, como já ocorreu em negociação similar com a MRS Logística, cujo montante pago ficou abaixo das estimativas do governo.

 

Há ainda as despesas da Previdência que, para especialistas em contas públicas, foram subestimadas. Barros, da Ryo Asset, projeta ao menos R$ 20 bilhões de defasagem. Tiago Sbardelotto, economista da XP e auditor licenciado do Tesouro Nacional, calcula cerca de R$ 25 bilhões.

 

Revisões

 

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem feito uma revisão nos benefícios, inclusive com uso de inteligência artificial no combate a fraudes. O Ministério da Previdência Social projeta uma economia de R$ 10 bilhões decorrente dessas medidas. Pelo Orçamento, a meta é reduzir essas despesas em, ao menos, R$ 12,5 bilhões neste ano – cifra ainda inferior às projeções de defasagem.

 

Para Sbardelotto, o governo deverá fazer uma correção apenas parcial desses números no próximo relatório bimestral, incorporando valores que vieram acima das expectativas em janeiro e fevereiro. Com isso, ele projeta um bloqueio entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões.

 

Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Rena, também avalia que o governo deverá contingenciar “muito pouco” nesse início de ano. “Isso poderá dar força política ao Haddad para seguir com o plano de manter a meta fiscal, o que até agora deu bastante certo. Em maio, contudo, haverá um novo teste. E assim a cada bimestre”, diz. (O Estado de S. Paulo/Bianca Lima)