Biodiesel provoca disputa entre agronegócio e setor de energia

O Estado de S. Paulo

 

A discussão sobre o aumento da mistura de biodiesel no óleo diesel comercializado no Brasil tem provocado um impasse entre o agronegócio e o setor de energia, do qual faz parte a Petrobras. Essa medida foi incluída em um projeto de lei que pode ser votado nos próximos dias na Câmara dos Deputados, batizado de Combustível do Futuro. A proposta faz parte da chamada agenda verde, abraçada pelo Legislativo com o objetivo de tornar o País mais sustentável do ponto de vista ambiental e ampliar as fontes renováveis de energia.

 

Relatado na Câmara pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na Casa, o projeto prevê uma série de iniciativas para fazer com que o Brasil reduza a emissão de carbono e, dessa forma, cumpra metas internacionais, como as que estão previstas no Acordo de Paris. Para isso, a futura lei cria os programas de combustível sustentável de aviação, diesel verde e biometano, além do marco legal de captura e estocagem geológica de dióxido de carbono.

 

O ponto de maior divergência da proposta é o aumento gradual da mistura de biodiesel no óleo diesel, que chegaria a 20% em 2030, com adição de um ponto porcentual ao ano, conforme parecer protocolado por Jardim. Hoje, esse porcentual está em 14%.

 

O objetivo é tornar o uso de combustível cada vez menos poluente, mas o setor energético afirma que seria necessária a previsão de mais testes técnicos para evitar que a mudança danifique os motores dos veículos. Uma ala do setor, ligada à Petrobras, rejeita também a possibilidade de redução do mercado do diesel, do qual a estatal é líder como a maior produtora.

 

A proposta de Jardim tem amplo apoio da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), que tem nas “externalidades positivas” do biodiesel o principal argumento de defesa. São elas: a inclusão da agricultura familiar na cadeia do biodiesel, o atual patamar do preço menor do biodiesel que o diesel importado e o fato de ser um combustível “mais verde”. No âmbito do Executivo, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, também já disse ser favorável ao projeto.

 

Senado

 

Diante da possibilidade de votação rápida do projeto na Câmara, o presidente da Frente Parlamentar de Energia, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), iniciou uma articulação para receber a relatoria do texto no Senado.

 

O agro reagiu e passou a trabalhar para que o relator seja outro: o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). Isso porque a frente liderada por Vital do Rêgo foi criada no Congresso por Jean Paul Prates, atual presidente da Petrobras.

 

O relatório de Arnaldo Jardim também define que, a partir de 2031, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ligado ao Ministério de Minas e Energia, ficaria autorizado a elevar o porcentual obrigatório de biodiesel na venda de óleo diesel para até 25% se constatada a viabilidade técnica.

 

No entanto, as distribuidoras de combustível afirmam que, caso a mudança ocorra sem a devida testagem e resulte em danos nos motores, poderia haver perda de eficiência energética dos veículos usados para transporte de mercadorias, além de custos excessivos com a reposição de peças e manutenção. Também dizem que esse cenário pode aumentar o preço do combustível para o consumidor final.

 

Pesquisa

 

Arnaldo Jardim rebate as críticas. “Fizemos uma acurada pesquisa com relação a isso (danos em motores). Há casos isolados. Não há nenhuma evidência sistêmica”, afirmou ele. De acordo com o deputado do Cidadania, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) endureceu nos últimos anos as regras de qualidade para o biodiesel.

 

“Vamos aguardar o direcionamento que se dará na Câmara. Precisamos saber quais serão os fundamentos dos setores para termos um posicionamento”, disse Vital do Rêgo, ao ser questionado pela reportagem sobre o assunto.

 

Em meio ao imbróglio, a União Brasileira do Biodiesel e do Bioquerosene (Ubrabio) afirmou, em nota, que a ampliação da produção de biodiesel no País reduzirá a dependência do diesel importado, mas sem concorrência com a produção nacional do combustível fóssil. “Assim, não há competição do setor de biodiesel com a Petrobras no mercado doméstico. A própria estatal, por meio da subsidiária Petrobras Biocombustível – Pbio, é uma grande produtora de biodiesel.” Outras 26 entidades do agronegócio e ligados ao biodiesel também se manifestaram com “apoio integral” ao parecer de Jardim.

 

Autor da proposta que gera o impasse entre agro e o setor de energia, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que preside a Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), disse na semana passada que o governo não quer perder “poder de mando” com a elevação gradual da porcentagem de biodiesel no óleo diesel. E que o estabelecimento de uma escala com cronograma para aumento da mistura era uma demanda antiga do setor.

 

O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) também se posicionou. “Devem ser preservados os poderes do CNPE para decisões sobre o porcentual das misturas, pois este é o colegiado competente, com visão holística do mercado, para definir a política energética. E tal flexibilidade é necessária para a segurança do abastecimento nacional”, diz nota do IBP.

 

Procurada, a Petrobras não havia respondido até a conclusão desta edição. (O Estado de S. Paulo/Iander Porcella, Isadora Duarte e Giordanna Neves)