O Estado de S. Paulo
Com uma defesa do papel do Estado no impulso à economia, o governo lançou o plano Nova Indústria Brasil. O pacote reedita políticas de antigas gestões petistas, prioriza áreas estratégicas, como a agenda verde, e prevê R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios até 2026. Também haverá política de obras e compras públicas com prioridade para fornecedores internos. Economistas criticam o formato do plano, falam em risco de agravamento do quadro fiscal e apontam para a volta da política das “campeãs nacionais”, do segundo mandato do presidente Lula. O anúncio teve impacto no mercado. O Ibovespa caiu 0,81% e o dólar subiu 1,23%, para R$ 4,98. O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, defenderam a volta do investimento estatal com o argumento de que outros países seguem essa linha.
Avaliação de risco para as contas públicas leva dólar a R$ 4,98, enquanto Bolsa recua 0,81%; pacote prevê também política de obras e compras públicas atrelada a negócios com fabricantes locais
O governo lançou ontem um plano de estímulo à indústria brasileira, marcado pela defesa, por parte da ala mais desenvolvimentista, do poder de indução do Estado na economia – sobretudo em áreas estratégicas, como a agenda verde. Batizado de Nova Indústria Brasil, o pacote reedita políticas de antigas gestões petistas ao prever R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor até 2026, além de uma política de obras e compras públicas com incentivo ao conteúdo local (exigência de compra de fornecedores brasileiros).
Economistas são críticos ao formato do plano, e apontam para a volta da política de estímulo à industrialização iniciado no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que priorizou empresas de setores específicos na chamada política de “campeãs nacionais”. O anúncio teve também impacto no mercado, contribuindo para a queda de 0,81% do Ibovespa, principal índice da Bolsa, e a alta de 1,23% do dólar (a R$ 4,98). Analistas falaram em risco de agravamento do quadro fiscal, no momento em que a meta da equipe econômica de fechar as contas deste ano com déficit zero já é vista com desconfiança.
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, rebateu as críticas e defendeu a volta do investimento estatal, alegando que outros países também estão nessa trilha, enquanto o ministro da Casa Civil, Rui Costa, citou uma “criminalização” ao apoio do governo para o desenvolvimento industrial. “Qual nação desenvolvida não está fazendo isso hoje em dia?”, questionou.
Duas ausências chamaram quase tanta atenção quanto as cifras bilionárias: Fernando Haddad, da Fazenda (que teve agenda em São Paulo), e Simone Tebet, do Planejamento. Os dois ministros passaram os últimos dias debruçados sobre os números do Orçamento de 2024 – sancionado ontem por Lula com a meta de zerar o déficit público. Ambos defendem reduzir subsídios e benefícios fiscais, a exemplo da desoneração da folha de pagamentos, em busca do ajuste das contas públicas.
Segundo Lula, os R$ 300 bilhões são um “alento” para a indústria “dar um salto de qualidade”. “O nosso problema era dinheiro. Se dinheiro não é problema, então, nós temos de resolver as coisas com muito mais facilidade”, disse Lula, ao cobrar os ministros para que apresentem resultados com base no novo programa oficial.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) será o grande artífice do pacote anunciado ontem pelo governo, mobilizando R$ 250 bilhões dos R$ 300 bilhões previstos em créditos ao setor produtivo. Desse total, R$ 77,5 bilhões já foram aprovados em 2023, sendo R$ 67 bilhões do banco de fomento e R$ 10,5 bilhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que administra o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Nas gestões anteriores de Lula e Dilma Rousseff, o Tesouro injetou recursos no BNDES para irrigar linhas de empréstimos com crédito subsidiado para a compra de máquinas e equipamentos e caminhões. E também para o financiamento a grandes empresas eleitas como “campeãs nacionais”, de setores selecionados pelo governo.
A estratégia foi alvo de críticas de economistas pelo custo elevado. Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 440,8 bilhões ao BNDES, recursos que foram devolvidos gradualmente nos últimos anos.
Questionado sobre se o governo vai reeditar essa mesma política, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que “não escolhe o parceiro”. Mercadante rebateu as críticas ao programa e defendeu a volta do investimento estatal, afirmando que outros países também estão nesse caminho. “Eu quero perguntar a esses que escrevem todos os dias dizendo que estamos trazendo medidas antigas. Por que a China é o país que mais cresceu no mundo nos últimos 40 anos?
Me explique a política econômica americana. Já são US$ 2 trilhões na década em subsídio, incentivo, em investimento público para atrair empresas, inclusive empresas brasileiras”, afirmou.
“Não tem como rever a indústria brasileira sem uma nova relação de Estado e mercado. Não é substituir o mercado, não é não acreditar na importância do mercado. Mas o Brasil precisa da participação do Estado diante de desafios históricos, da transição digital acelerada, do imenso desafio da crise ambiental e da transição para a economia verde.”
Mercadante afirmou que o valor de R$ 300 bilhões é “piso” do que o governo deseja aplicar na política industrial e que os demais bancos estatais – Banco do Brasil e Caixa –, além da Finep, “trabalharão de forma coordenada no mesmo objetivo”.
O chefe da Casa Civil, Rui Costa, fez referência ao caso de empreiteiras brasileiras que acabaram envolvidas em escândalos de corrupção no Brasil e em países vizinhos para criticar o que chamou de “criminalização” da política de estímulo à indústria.
“Nós vimos nos últimos anos um questionamento sobre apoio e participação do governo no desenvolvimento industrial, questionando, quando não criminalizando, essa ação pública de apoio e incentivo à industrialização e à indústria nacional. Muitas vezes colocando de forma pejorativa: ‘O Brasil está financiando a venda de um produto para outro país, financiando uma obra em outro país’. É importante que se pergunte: qual nação desenvolvida não está fazendo isso hoje em dia?”, disse Costa. (O Estado de S. Paulo/Bianca Lima e Mariana Carneiro)