O Estado de S. Paulo/Mobilidade
Quando as grandes montadoras se instalaram no País, no século passado, elas não vieram apenas para replicar veículos produzidos por suas matrizes europeias, norte-americanas ou asiáticas.
Desde o início, o Brasil revelou forte vocação para desenvolver soluções de engenharia, propulsão, design e tecnologias próprias.
Um dos exemplos mais emblemáticos foi a criação do motor a etanol, nos anos 1970, que, mais recentemente, se transformou na solução flex (gasolina/etanol), responsável por mais de 80% da frota dos nossos automóveis.
Tecnologias para viagem
Atualmente, chama a atenção a quantidade de soluções automotivas que o Brasil vem exportando. A Toyota acaba de lançar o projeto Hybrid Flex Technology na Índia, país que tem a meta de zerar a emissão de CO2 até 2070. A tecnologia híbrida flex, combinação de motor elétrico com outro que usa etanol, está nos modelos Corolla e Corolla Cross, ambos nacionais e que são exportados para vários locais. A montadora também envia aos Estados Unidos os motores 2.0, movidos a gasolina, que são produzidos em Porto Feliz (SP).
Várias montadoras contam com centros de design local, que geram soluções para outros mercados. É o caso da Volkswagen, que tem modelos desenvolvidos, domesticamente, desde os anos 1970. O mais recente é o crossover Nivus, criado em São Bernardo Campo (SP), e que, recentemente, passou a ser produzido na Espanha. No grupo alemão, além da matriz, o Brasil é o único País que desenvolve veículos por completo, ou seja, desde os primeiros traços do design até a efetiva fabricação.
A Ford, que atua há mais de um século no mercado brasileiro, mantém na Bahia um dos seus centros globais de desenvolvimento tecnológico, com mais de 1.500 engenheiros dedicados a tecnologias para vários mercados mundiais. Entre os mais recentes projetos exportados estão o pedal de acelerador inteligente do Ford Mustang elétrico e o sistema de limpeza automática de sensores de veículos autônomos.
Entre as diversas patentes desenvolvidas estão uma borracha mais resistente ao biodiesel e pesquisas com uso do grafeno (material mais leve e resistente do que o aço) em carros elétricos, estas em parceria com a Universidade de Caxias do Sul (RS).
No segmento de veículos pesados, não é diferente, e um caso bem marcante é o chassi de ônibus elétrico Mercedes-Benz eO500U, lançado, em agosto, na Lat.Bus, maior feira do setor na América Latina. A engenharia brasileira capitaneou todo o desenvolvimento e faz parte dos esforços globais da Daimler Buses em oferecer veículos neutros em CO2, movidos a baterias e hidrogênio, em todos os segmentos, até 2030.
Não só de veículos e motores vivem as exportações brasileiras. Algumas empresas entram na seara da eletrônica embarcada. O Software Center da Stellantis, instalado no Porto Digital de Recife (PE), desenvolve e produz softwares automotivos aplicados ao controle do motor.
Soluções desenvolvidas em Recife foram adotadas por todo o grupo, incluindo marcas premium como Alfa Romeo, Maserati e Jeep. A mesma aplicação global acontece no Virtual Center da companhia, em Betim (MG), que desenvolve e testa carros em 3D e 4D, com uso de tecnologias de metaverso, realidade virtual e realidade aumentada.
São apenas alguns exemplos do que as nossas montadoras, em parceria com fornecedores e a academia nacional, geram para a nação em termos de pesquisa e produção de tecnologia de ponta, inteligência estratégica e formação profissional. O grande ecossistema automotivo está preparado para fazer ainda mais pelo País.
Pautas contemporâneas
A revolução tecnológica e a corrida pela descarbonização geram oportunidades para que o Brasil amplie sua tradição como um dos mais importantes polos automotivos do planeta. Somos ricos em recursos naturais e humanos, energia limpa, e parques industriais de Primeiro Mundo.
Por que não produzir, localmente, baterias para carros elétricos e exportá-las, com alto valor agregado, em vez de apenas exportar lítio e outras matérias-primas? Por que não produzir, aqui no Brasil, semicondutores, itens eletrônicos estratégicos, para toda a indústria de ponta? Por que não aumentar os investimentos em biocombustíveis, solução limpa que pode ser combinada com a eletrificação?
O Brasil precisa ser ambicioso, ocupar seu lugar de destaque em um mundo cada vez mais competitivo. Isso demanda planejamento e previsibilidade, e só pode ser obtido com visão de futuro, diálogo e harmonia entre o Poder Público e os entes privados”. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Márcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores-Anfavea)