O Estado de S. Paulo
A aversão ao risco global e as preocupações com o cenário eleitoral local deram o tom ontem no mercado financeiro no Brasil. Depois de chegar a R$ 5,41, o dólar fechou o dia cotado a R$ 5,38 – maior patamar desde 22 de julho –, com alta de 2,53%. O pessimismo também dominou o mercado de ações. O Ibovespa, principal indicador da B3, recuou 2,33%, aos 109,1 mil pontos.
O dia negativo para os ativos brasileiros teve como pano de fundo a expectativa de que os principais bancos centrais terão de endurecer ainda mais a política monetária para combater uma inflação persistente, o que deve levar a economia mundial a um quadro recessivo.
No cenário local, a poucos dias do primeiro turno, o desfecho eleitoral também tem levado incerteza para o mercado. Os investidores se preocupam com o futuro das contas públicas do País a partir de 2023.
“Se colocar numa balança, o movimento lá fora é o que mais tem impactado o mercado nos últimos dias”, afirma Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos.
Na quarta-feira passada, o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) promoveu o terceiro aumento consecutivo de 0,75 ponto porcentual nas suas taxas de juros, e indicou que novas altas virão pela frente. “Essa necessidade de que os juros possam subir mais foi reforçada pelo Fed. Acreditava-se que os juros iriam para pouco acima de 4%, mas agora já há um temor de que subam acima de 5%”, afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
O aperto monetário não é exclusividade dos EUA. Na quinta-feira, foi a vez de o Banco da Inglaterra subir os juros em 0,50 ponto porcentual. Na semana passada, mesmo com um cenário fiscal frágil e uma inflação elevada, o Reino Unido também anunciou um pacote de estímulo fiscal, o que fez o mercado prever a possibilidade de um novo aperto por lá.
“O mundo passa por um momento bastante delicado com uma sequência de notícias ruins”, acrescenta Campos Neto. “Há uma reprecificação de ativos, em cima das preocupações ligadas a essa necessidade de que os juros subam ainda mais.”
Na prática, o aperto da política monetária tem potencial para encarecer o crédito para as famílias e os investimentos para as companhias, o que prejudica o desempenho da atividade global – vários analistas já incorporaram a previsão de recessão para importantes economias no ano que vem.
Ontem, por exemplo, o índice de sentimento das empresas da Alemanha recuou ao menor patamar desde maio de 2020, num sinal de dificuldade para uma das economias mais importantes do mundo.
Incerteza fiscal
Na cena local, os investidores se preocupam com a reta final da disputa eleitoral e as medidas que o próximo governo vai adotar na área fiscal. Líderes nas pesquisas eleitorais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não têm tido clareza ao apresentar propostas para o futuro das contas públicas, sobretudo em relação ao teto de gastos – considerado a principal âncora fiscal do País.
No domingo, em comício no Rio, Lula voltou a afirmar que o teto deixará de existir no seu governo. “Acabou o teto de gastos quando eu for o presidente da República”, disse.
A campanha de Bolsonaro também não deixa claro qual será a sua política fiscal num eventual segundo mandato – o atual governo já alterou o teto de gastos diversas vezes. “Ainda assim, creio que a tendência para o dólar não é essa que vemos nesta semana, até porque o fim do ciclo de altas dos juros deve beneficiar o câmbio” afirma Bruno Mori, economista e planejador financeiro pela Associação Brasileira do Planejamento Financeiro. (O Estado de S. Paulo/Luiz Guilherme Gerbelli, Paula Dias e Maria Regina Silva)