Preço da gasolina e populismo fiscal

O Estado de S. Paulo

 

Não há muitos políticos que, em ano de eleições, consigam resistir às tentações do populismo fiscal. A decisão dos governadores de Estado de prorrogar por mais 60 dias o congelamento do ICMS da gasolina é uma clara comprovação disso. Em vigor desde novembro e com validade por 90 dias, a medida agora prorrogada é sabidamente inócua para conter a oscilação dos preços dos combustíveis, dependentes de fatores sobre os quais nenhuma autoridade nacional tem o poder de controlar – basicamente, as variações da cotação internacional do petróleo, sujeitas às oscilações da demanda e da oferta e também ao cenário político mundial. Mas, depois do anúncio da iniciativa do presidente Jair Bolsonaro de apresentar uma proposta de emenda à constituição (PEC) para reduzir a zero a alíquota dos tributos federais incidentes sobre combustíveis e energia, o que permitiria a redução dos tributos estaduais, os governadores sentiram que precisavam dar uma resposta. E o fizeram com nítido objetivo político-eleitoral.

 

A falsa resposta dos governadores a um problema real – os preços dos combustíveis afetam uma infinidade de outros preços e, por isso, têm peso considerável na composição dos índices de inflação – igualmente tem um preço, pois afeta as finanças públicas, o que pode comprometer sua necessária higidez. Congelar o ICMS sem identificar cortes compensatórios de despesas ou fontes de receita que supram o que deixará de ser arrecadado configura populismo fiscal, isto é, o uso irresponsável das receitas tributárias, seja dilapidando-as em ações de interesse político-eleitoral, seja abrindo mão de parte delas em nome de algum objetivo aparentemente nobre, mas com consequências danosas para o equilíbrio das contas fiscais.

 

Em nota, os governadores consideram que, com “a atualização da base dos preços dos combustíveis, atualmente lastreada no valor internacional do barril de petróleo”, se tornou “imprescindível” a prorrogação do congelamento do ICMS. No mundo real, se a cotação do petróleo mantiver a tendência atual, novas prorrogações se tornarão igualmente “imprescindíveis”. O quadro, dizem, só mudará quando houver soluções estruturais para a estabilização dos preços. Se de fato esperam estabilidade de preços, terão de combinar com todos os operadores do mercado de petróleo, dos gigantes mundiais da produção até o posto de gasolina da esquina.

 

O populismo fiscal com que ilusoriamente se tenta conter o preço da gasolina tem custos pesados para as finanças públicas. Em período de desequilíbrio fiscal, com déficits expressivos nas contas federais – apesar do papel altamente positivo da inflação no aumento da arrecadação tributária –, o corte da tributação sobre combustíveis pode ter efeito danoso para a União. Mas o problema atinge também os Estados, cujas receitas cresceram com as transferências da União no período da pandemia, com a discreta recuperação da atividade econômica e com a inflação. Em ano eleitoral, os políticos não hesitam em tomar, no presente, medidas que ameaçam o futuro. (O Estado de S. Paulo)